sexta-feira, 30 de maio de 2014

IGREJAS E CAPELLAS DA FREGUEZIA DA SÉ



SÉ CATHEDRAL, situada no alto do monte da Sé, sobranceiro ao Rio Douro. Foi o primeiro edifício fundado por Constancio, Bispo do Porto, pelos annos de 575, segundo escreve o author da Descripção do Porto.(1) Esta primeira Sé, com a cidade fundada pelos Suevos em 415 foi destruída pela invasão dos mouros em 716; e sendo de novo restaurada por D. Affonso 3º de Leão em 905 outra vez foi arrazada por Almançor Capitão de Cordova por tal modo, que ficou despovoada até o anno de 983 ou 999, quando chegaram à foz do Douro D. Moninho Viegas com uma armada de Gascões que reedificaram a cidade com novos muros. Nesta obra se esforçaram Sisnando, irmão de D. Moninho, que depois foi Bispo do Porto, e D. Nonego, Bispo de Vandoma em França, e de novo restauraram a Igreja Cathedral.(2)
Pelos annos de Christo de 1092, tomando o Conde D. Henrique posse desta cidade, a ampliou, ornando-a de magnificos Palácios e Templos magestosos, entre os quais tem o primeiro lugar a Sé Cathedral, que foi inteiramente obra sua e da Rainha sua mulher, pois a reedificaram desde os alicerces, se bem que só chegou a ser concluída por D. Mafalda, mulher  D’El Rel D. Affonso Henriques, sendo D. Hugo Bispo do Porto. (3)
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(1) Quer Agostinho Rebello da Costa que este Constancio seja o primeiro Bispo do Porto, e aquela a sua primeira Sé, conquanto outros digam que o primeiro Bispo foi S. Basilio discípulo de Sam Tiago e condiscípulo de S. Pedro de Rates,  em tempo que a cidade era em Gaia, e que este mesmo S. Basílio edificou a Igreja de S.Pedro de Mira Gaia, que veio a ser  a primeira Sé do Porto ao Norte do Douro. Vidé Corografia Portugueza Cº 1º p. 354. Catálogo dos Bispos do Porto de António Serqueira Pinto,  +++
(2) Corografia Portug.  Ibid catálogo dos Bispos do Porto, P. 1ª p. 10.
(3) Descripção do Porto, Cap. 1º § 20 e Cap. 3º § 9º Cat. dos Bispos do Porto 1ª P. 1ª p. 11 e P. 2ª p. 8 e adiante p. 233





 Foi esta Igreja sagrada por D. Bernardo Arcebispo de Toledo (1), e é de trez naves com muitas e excelentes capellas, e sua frontaria e magestosas torres, que ainda dizem do que foi, pois quanto ao mais está muito desnudada. O Bispo D. Fr. Gonçalo de Moraes, que já antes tinha feito a nova sacristia, reedificou desde os alicerces a Capella Mor  em 1609; e querendo também fazer todo o corpo da Igreja oppos-se o Cabido, temendo que por sua avançada idade a não chegasse a concluír. (2) Reputa-se esta Capella Mor por uma das melhores de toda a Hespanha, e foi seu architecto um discípulo de Miguel Angelo chamado Valentim. (3) Em 1717 em uma prolongada  se vaga architectou-se  de novo o interior pelo modo que hoje se vê (4), e no exterior pelo mesmo tempo se fez a varanda e columnas que estam por baixo do oculo da frente da Igreja com esta legenda:
                        PROESUTIS HAUD DEXTRA, SEI SEDE VACANTE, REVIXI;
                        DEXTRA OPERI TANTO NUM FORET UNA SATIS?
                                                                                  Anno 1722 (5)
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(1) Corografia Port. P. 1º p. 354.
(2) O author do Catálogo dos Bispos do Porto, quando falla deste Prelado, refere como já  o Cabido e a Camara se opposera à mesma feitura da Capela Mor; mas que se opposesse depois à reedificação da Igreja tenho-o por tradição do Senhor Bispo D. António Bernardo da Fonseca Moniz, homem illustrado, paleografo e muito lido em codices antigos; e accrescentava que por desforço fora o dito Bispo reedificar a magnifica Igreja dos Benedictinos desta cidade, de cuja Ordem era. Ainda assim fez elle os Pulpitos de mármore que são da mesma epocha, e diz o sitado author do Catálogo dos Bispos que as obras que elle fez são infinitas não só neste bispado como fora delle.
(3) É pena que se não possa tornar ao que foi, porque está o granito todo furado e picado por baixo para sustentar aquellas obessas columnas e cornijas de barro. Nem escapou a este remoçamento a Capela Mor, pois lhe enxertaram no tecto estuques e anjos de gesso e lhe pintaram  seus bellos marmores com tinta a fingir marmore preto. Por fortuna pôde restaurar-se em tempos do Senhor Bispo D. Gerónimo  se não há lei contra estes monumenticidios?
(4) Descrip. Do Porto, Cap. 3 § 11.
(5) Quer dizer: Revivi, sede vacante, sem braço do prelado; Por ventura para tam grande obra seria um só bastante?





 Pegado á Igreja do lado nascente está o Claustro novo, obra primorosa do Bispo D. João 3º, que o fes em 1385, para o qual lhe offereceu a Camara da Cidade mil pedras lavradas. (1) Pelo mesmo claustro se entra para a Capella de Nossa Senhora da Saude, que mandou fazer D. Fr. Marcos de Lisboa em 1583 (2), que tambem edificou a casa do Cabido. Nesta mesma Capella está situada a Confraria de S. Vicente com insigne reliquia do Santo, e ha pouco se irigia tambem nella outra confraria, de Nossa Senhora da Vandoma, transferindo-se para alli a devota Imagem da mesma Senhora, que os Gascões trouxeram na armada, e que estava sobre o arco chamado da Vandoma recentemente demolido. Em frente da Igreja do lado do poente ha uma galleria moderna, construida em 1736, bella e adequada á gravidade do edificio.


(1) Cat. dos Bpº do Porto, Pª 2ª. p.141
(2) Santuario Mariano, Fº 5º, Lº 1º tit. 2º





 Tem a Igreja dentro treze altares; e o claustro, trez. O mais notavel é o altar mor, para fazer o qual reunio D. Fr. Gonçalo de Moraes os melhores artistas de dentro e de fora do Reino. Está elle acanhado com um santuario mais pequeno, para a exposição do  SSº Sacramento, que parece ser alli enxertado; e que não deixa bem gozar o magnifico painel, representando a Assumpção da Santissima Virgem, Padroeira commum de todas as  Ses do Reino. Depois do altar mor attrae mais a attenção o do SSº Sacramento, por ser todo de fina prata lavrada. Recopilarei as memórias desta obra; por se não acharem ainda escriptas e publicadas. Foi ella começada em 1632, sendo Mordomo do Senhor João de Figueiroa Pinto e Balthasar Pinto Aranha, que na presença do Conde Diogo Lopes de Sousa, Governador da Cidade a contractaram com Manoel Teixeira e seu genro Manuel Guedes, ourives que para este fim se mudaram de Lamego para a Rua dos Banhos desta Cidade; e em 1639 foi collocado o primeiro corpo do Sacrario que pesou 178 marcos e tres onças de prata, custando 2$600 cada marco. O segundo corpo do Sacrario ficou prompto em 1641 e pesou 100 marcos e 6 onças; o terceiro em 1647 e pesou 63 marcos e tres onças; o quarto e ultimo, em 1651 e pesou 60 marcos e 7 onças que já então custou a 3$440 reis o marco. Neste ultimo corpo do Sacrario trabalhou o ourives Bartholomeu Nunes que morava na fonte então chamada da Urina. As varandas do Sacrario foi uma acabada em 1670 pelo mestre Sebastião Nunes pesando 26 marcos e 2 onças; e outra em 1671 feita por Manoel de Sousa do Amaral, e pesou 16 marcos e 3 onças. havia tambem as seguintes figuras: Éno e Noe de 29 marcos e 5 onças de peso. Moises e Arão de 15 marcos e 7 onças, todas do ourives Manoel de Sousa; San Paulo de 12 marcos e 7 onças e San Pedro de 14 marcos e 5 onças do ourives Manoel Barbosa de 1667 a 68. Tambem tinha uns Anjos feitos em 1679 a 81 pelo




 mestre Pedro Francisco Francez, que pesaram 108 marcos 6 onças de prata que custou a 4$700 reis o marco. Deste ultimo ourives é tambem o frontal  do altar, feito em 1678, que pezou 119 marcos e 1 onça e é do mais perfeito trabalho. Deste mesmo mestre era a banqueta feita em 1682 de peso de 25 marcos 3 onças, e as chapas e taboas dos Anjos pesaram 1 marco 7 onças; mas esta com as varandas e figuras já não existem, porque levaram descaminho na invasão dos francezes e depois no cerco do Porto em 1832 em que foi roubado o altar. Ainda lá estam dous anjos, mas não parecem feitos pelo mesmo author do frontal. As varandas e banqueta que tem agora são inferiores ao antigo assim na qualidade da prata como na mão d’obra. ( 1 )
A ara deste riquissimo altar foi construida das pedras do sepulcro de Sam Pantalião assim como foram trazidas de Constantinopla.
Alem do magnifico painel da Capella - Mor ha na Sacristia um quadro da Sagrada Familia attribuido a Miguel Angelo, e outro muito bom no Altar da Senhora do Presepio. Tambem é mui rico o serviço de prata da fabrica e alguns paramentos, com muitas outras cousas dignas de attenção e de importância historica, que andam nos livros , onde podem ler-se, acima tenho citado alguns delles.

Igreja de Santa Clara - situada no largo do mesmo nome. Teve por fundador a D. João I, que por sua mão lhe lançou a primeira pedra fundamental no canto direito do Convento; e, no canto esquerdo, seu filho o Senhor Infante D. Affonso; e a pedra fundamental da Igreja foi lançada pelo Bispo D. Fernando da Guerra; isto em 1416. A Igreja é um ramalhete de entalha de madeira dourada, sendo assim no todo como nas suas differentes partes uma obra primorosa. É um dos monumentos mais bem conservados, pois só a Sacrario do Altar Mor destoa por moderno.




(1) Todas estas memorias são tiradas de uns apontamentos do meu antecessor, que as extraio do Livro velho da Confraria cujas folhas aponta.





 É tambem digno de reparo o painel do Altar mor, que representa a Santa Matriarcha salvando milagrosamente o seu  Convento dos invasores serracenos.

Igreja de S. Bento d’Ave Maria - situada no cimo da Rua das flores. Foi fundado o Mosteiro e a Igreja por El Rei D. Manoel no ano de 1518, que prova isso mandou a esta Cidade Bartholomeu de Paiva, Ayo de seu filho o principe D. João. Nesta casa se reuniram quatro conventos de Benedictinas, as de Rio Tinto, Tuyas e Sendim no Bispado do Porto, e as de Tarouquella no de Lamego. A 10 d’Outubro de 1783 ardeu a Igreja com seus dous coros, que logo foi feita de novo com sua frontaria, galleria contigua, pateo etc, que tudo é recente e bastante sumptuoso.

Igreja da Misericordia - situada no fundo da Rua das Flores. A casa da Misericordia do Porto, como todas as mais do Reino, á excepção da de Lisboa, foi fundada por El Rey D. Manoel, que por alvara de 14 de Março de 1499 convidou os homens bons do Porto a erigirem esta Irmandade, como com effeito foi erecta na Capella de S. Tiago no Claustro velho da Sé em 1501, e d’ahi em 1559 a 13 de Dezembro passou para a sua Igreja nova da Rua das Flores com grande solennidade a que assistiu o Bispo D. Rodrigo Pinheiro que benzeu e dedicou a mesma Igreja (1). E porque com o andar dos tempos a Igreja ameaçava ruina, foi de novo reconstruida por um architecto italiano chamado Nicolao Nasoni, de quem é a fachada que hoje se vê com a era de 1750. A Capella Mor conhecida pelo nome de Capella de D. Lopo é de 1590. Não preciso





(1) O author da Descripção do Porto diz que foi D. Leonor mulher de D. João 2º a instituidora, mas não é exacto; porque esta Rainha instituio sim a Misericordia de Lisboa, mas a do Porto instituida logo depois, e as demais do Reino, são de D. Manoel. O distincto paleografo da Misericordia Cherubino Lagoa me mostrou os authografos d’onde consta o que fica exposto, assim nas datas como no mais. Tambem parece fora de duvida que Fr. Miguel de Contreiras confessor da Rainha viuva D. Leonor, teve grande influencia na instituição das Misericordias do Reino, porque todas ellas trazem em suas bandeiras as iniciaes do seu nome: F.M.C.
(1) Descrip. do Pº Cap. 3º § 9º- Vid tambem Cap. 1º § 2º - Corog. Port.Lº Iº p. 353





 encarecer estas obras, que são famosas e bem conhecidas dos naturaes e estrangeiros.
O antigo hospital, ou antes alvergaria, conhecido pelo do Roque Amador é com a maior provabilidade da fundação dos Templarios pelos principios da Monarchia, e foi o mesmo senhor Rei D. Manoel que mandou á Misericordia o tomasse a seu cargo. No anno de 1584 fallecendo em Madrid D. Lopo d’ Almeida, fundou e dotou em seu testamento o Hospital da Misericordia do Porto, e em consequencia se começaram novas edificações a 5 de Fevº de 1605, como se lê em uma lapide que ainda está no sitio, que é na Rua das Flores da quina dos Caldeireiros para baixo, mas para o interior; e ahi tambem esteve a Roda dos Expostos, que passou para a Misericordia em 1685. (1)
O actual hospital de Santo Antonio da Misericordia na Cordoaria, obra magestosa e sumptuosissima, que não tem nenhum igual no Reino, nem talvez fora delle, começou a funccionar.
Entre as muitas cousas notaveis que tem esta Santa Casa é uma o quadro pulido sobre madeira, dadiva de El Rei D. Manoel, representando a inauguração da Misericordia, no qual se admiram os retratos d’aquelle Monarcha, da Rainha (2), dos Senhores





 infantes seus filhos e das infantes D. Maria e D. Beatriz, do Bispo de Lisboa D. Martinho, dos Mesarios seis nobres e sete plebeus installadores, e d’outras pessoas da Corte, todos em roda d’uma taça, onde se derrama pelas sagradas chagas o sangue do Redemptor do mundo. É tam rico como curioso este quadro, cujo author todavia se ignora, se bem que o paleografo Cherubino Lagoa lhe descubrio no fundo uma sigla que podera servir de muito para o descubrir. Quem quer que seja, só se conhece do mesmo outro quadro no Louvre. Alem desta magnifica pintura ha mais duas excellentes, que são um retrato pelo nosso Gloria e uma cabeça de S. João de Vieira.
Igreja do Collegio de Sam Lourenço - sito na Rua das Aldas. A Igreja e Collegio dos Jesuitas esteve primeiro junto á Ribeira em parte das casas de Henrique Nunes de Gouvea, proximo da ermida de S. Francisco de Borja, erigida em 1731 pelo Reitor do Collegio que então era o Padre João Brandão, que a erigio em memoria do Santo sobre terreno d'umas casas, em que elle habitou na primeira vez que esteve nesta Cidade. (1) Pode dizer-se que por diligencias de S. Francisco de Borja se estabeleceram os Jesuitas no Porto, em 1560, con "ajuda e favor do Cardeal D. Henrique, do Bispo D. Rodrigo Pinheiro e d'outras pessoas nobres." (2) D'alli vieram para a Rua das Aldas para o seu novo Convento e Igreja de que fou fundador o Ballio de Lessa Fr. Luiz Alvares de Tavora em 1577. (3) Pela extincção dos Jesuitas pagou este Convento e Igreja para os Frades Agostinhos descalços. No poder destes soffreo no interior grandes alterações, com que ficou á moderna (4); menos dous altares no arco cruzeiro, que parece foram respeitados. A frontaria deste Templo é d'um ousio e sumptuosidade admiravel, e so  mal empregada n'aquelle local.
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(1) Consta do Patrimonio da dita Capella que está no Archivo da Camara Ecclesiastica desta Cidade.
(2) Cat. dos Bpºs do Porto. P. 2ª cap. 36 - Corog. Port. S.I.p.
(3) Santo a primitiva installação junto á Ribeira como depois a transferencia para a Rua das Aldas caio em dia de S. Lourenço,  rasão do appellido que ficou a este Collegio.
(4) Por tras dos altares modernos estam ainda os antigos.




 Das cousas que restam mais notaveis nesta Igreja é uma bellissima imagem do Croxificado de tamanho natural, que está na Sacristia; e uns quadros de madeira em alto relevo, que são d'um grande merecimento; um dos quaes representa o dito Ballio fundador. Este edificio pertence hoje ao Seminario Diocesano.

Igreja de Nossa Senhora do Terço e Charidade - sita na Rua de Cima de Villa. Foi fundada pelo Padre Geraldo Pereira, que residia em S. Domingos desta Cidade, o qual a começou a construir em 1756, e estava servindo no culto em 1766. (1) Tem contiguo o hospital, notavel pelo aceio e bias condicções higienicas; e nelle ha uma casa de operações muito bem montada.
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(1) Veja o Autor de fundação e dotação no Archivo da Camara Ecclesiastica desta Cidade.
Na Secretaria desta Irmandade ha um retrato de Domingos Tavares, em que se lê ter sido este ecclesiastico tambem instituidor juntamente com Geraldo Pereira.




 Capella de Stº Antonio do Penedo - situada em frente do Convento de Stª Clara. Era propriedade particular e cabeça de vinculo (1), sendo fundada pelos antecessores d'Affonso Ferraz, que ja em 1504 a possuia, sendo então uma Ermida e devendo o seu tamanho actual a differentes reedificações. Diz-se que foi a primeira que em Portugal se dedicou a Stº Antonio. Está profanada e estragada desde 1832.

Capella de S. Roque - sita no Largo do Souto. Esteve uma capella antiga de Sam Roque junto á porta travessa da Se, com voto de livrar a cidade da peste, a qual sendo destruida pelo famoso terremoto de 1755 foi depois mudada e de novo fundada no Souto pela Camara da cidade. A actual capella com sua escadaria e casas em semicirculo é muito regular, e pouco estimada para o que merece.
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(1) A ultima possuidora do vinculo, hoje abolido pela Lei de 30 de Julho de 1860, foi D. Maria Xavier de Mello Correa.




 Capella de Nossa Senhora do Patrocinio do Ferro - sita nas Escadas do Cadeçal. A origem desta capella é na Rua Escura (ou Sam Sebastião lhe chamavam), onde esteve o Collegio dos Meninos Orffãos, os quaes passando para o novo Collegio de Nosso Senhora da Graça ficou a ermida do Ferro e casa dos orfãos devoluta. Nella se metteram uns coveiros sa Se, assim chamados por ajudarem  ás Missas e servirem ao Covo; mas como com os orfãos tinham ido as rendas, pouco lá pararam. Entraram depois umas Beatas, e succedeu-lhes o mesmo. (1) Creio que posteriormente a 1663, (2) debaixo da protecção e ingerencia dos Bispos desta cidade, se veio a constituir alli um Recolhimento de mulheres conversas, o qual depois passou effectivamente para a nova Capella e Recolhimento do Codeçal, no mesmo anno de 1757, debaixo da inspecção do Bispo seu fundador. A antiga Capella do Ferro, da Rua Escura é hoje da Curaria da Se.
Quanto á designação do Ferro,  copiarei as proprias palavras do Santuario Mariano, por quanto é bello e poetico este facto: "Chama-se Senhora do Ferro, diz o auctor do Santuario Mariano (3), porque na porta da sua Igreja que era d'arco, tinha antigamente um ferro atravessado de parte a parte,
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(1) Santuario Mariano Tomo 5º Lº 1º tit. 4º
(2) Porque ate esta epocha chega o catalogo dos Bispos do Porto de Antonio Cerqueira Pinto, que não falla na fundação deste Recolhimento, que lhes pertence.
(3) Ibid.




 o qual ferro se mandou pôr alli por privilegio concedido áquella Senhora, (supposto não consta que Rei Fosse que o concedeu; tanta é a antiguidade) para que passando qualquer padecente ao supplicio, e podendo chegar a pegar no ferro, ficasse livre da morte. E isto era a respeito de ficarem alli perto as cadeas em aquelles tempos antigos, mais accima da Igreja em a Rua Cham das Eiras... Hoje se vê o ferro tam levantado que se pode passar por baixo livremente, e com trabalho se alcança com a mão, porque se mudaram as cadeas para junto da porta do olival, e assim quando algum padecente vai a morrer por ladrão á forca de Mija-velhas, que fica fora da cidade, vai a justiça toda encostada áquella parte; para que o padecente (que por alli se passa) se não passa recolher á Igreja da Senhora, que fica com a porta para a mesma rua."

Capella de Nossa Senhora d'Agosto ou da Assumpção - sita defronte da porta da Se. Diz-se no Santuario Mariano ser tradicção antiga que a imagem da Senhora é aquella celebre imagem da Carqueze, que deu saude a D. Affonso Henriques, na idade de cinco annos, e que de Lamego veio para esta cidade. É de boa esculptura, sobre tudo o lavor das roupas. Esteve primeiro no alto dos celeiros do Cabido, o sendo estes d'alli removidos para outra parte, pelo Bispo D. Rodrigo da Cunha , (1)
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(1) O qual entrou no Porto a 14 d'Abril de 1619 e é o auctor do Catalogo dos Bispos do Porto, que na segunda impressão, foi augmentado e addiccionado por Antonio Cerqueira Pinto. A esta segunda impressão me reporto nas citações que acima faço desta obra.




 e á sua carta, sobre o terreno levantou a Irmandade da Senhora sob a protecção do mesmo Bispo a capella que hoje existe, e que é notavel pela belleza e difficuldade da architectura. Ja no tempo do auctor do Santuario Mariano estava a cargo dos officiaes de Alfaiate, por ter nella S. Bom - Homem a quem festejam.

Capella de Nossa Senhora da Batalha - Estava a sua imagem mettida dentro da Torre, que chamavam de Cima da Villa e icava debaixo da ermida a porta da Cidade. Depois Balthasar Guedes, cidadão, com outros devotos lhe fizeram outra ermida maior em 1590; mas muito recentemente foi reedificada. Quanto á razão do titulo pode vêr-se no Santuario Mariano Tomo 5º tit. 3º.

Capella de Nossa Senhora das Verdades - sita junto ás Escadas do mesmo titulo. É notavel que o Santuario Mariano não faça menção desta Senhora. Estava esta imagem sobre o Arco que alli havia dos primitivos muros da cidade, e por isso se lhe chamava a Senhora do Postigo. Em 1696 o Juiz Pe. João de Oliveira e mais mordomos e officiaes da Senhora lhe erigiram nova capella




 em terra de um quintal que era da mesma Senhora ficando a capella velha para sacristia. Foi a nova capella benzida pelo Conego Prebendado Domingos Gonsalves Prada em 10 de Março de 1700 com a invocação de Nossa Senhora da Assumpção do postigo, cita e ? junto ás minhas casas (diz elle) e á cerca dos Padres da Companhia. (1) A imagem da Senhora é bellissima e os arrendilhados dos vestidos, feitos na pedra, de cuja materia é, são de perfeição admiravel. Hoje pertence á Illustre familia dos Sam Calheiros.

Capella de Nossa Senhora das Dores e S. Jose - sita no Largo da Polícia, com o Recolhimento das Meninas Desamparadas, que chamam do Portigo do Sol, porque lhe fica defronte. Deve este pio estabelecimento sua origem a D. Francisca Paula da Conceição Grelho e Sousa, mulher do Doutor Jose Teixeira de Sousa, Corregedor e Chanceller que foi da Relação e Casa do Porto, senhora de muita piedade e virtudes.
Por ocasião da invasão do Exercito Frances, em 29 de Março de 1809, e a mortandade de que foi causa, andando perdidas pelas praças e ruas da cidade muitas meninas, que  ficaram orfãs e desacolhidas veio em seu auxilio aquella piedosa mulher, recolhendo quantas encontrava em sua propria casa na Rua Cham, onde educou e sustentou como carinhosa Mai, sem jamais as abandonar em quanto foi viva. Esta piedosa mulher, porem, não se limitou a uma obra transitoria, quiz fundar um estabelecimento perpetuo e desde logo por ella mesma
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(1) Tudo consta da licença para reedificação da mesma capella, documento que li e existe na Camara Esslesiastica desta cidade.




 um Estatuto para as suas Meninas, no qual o trabalho e a oração, o ensino e a piedade estam perfeitamente consagradas. Desde logo recolheu D. Francisca 80 meninas, e como tem grande encaargo excedia as suas rendas, recorreu pessoalmente á caridade publica, e sobretudo á Virgem das Dores que não podia deixar de excutar as voses afflictas de oitenta inocentes orfãos, que careciam de pão e educação religiosa e temporal. A fe ardente de D. Francisca venceu todas as difficuldades e a Mai das Dores não a abandonou.
Por provisão de 8 de Outubro de 1819 foi tomado debaixo da Regia Protecção este pio Estabelecimento, e por Decreto de 23 de Junho de 1822 lhe fez o Governo doação de doze contos de reis em Apolices para seu fundo, hoje convertido em Inscripções. Por Portaria do Ministerio do Reino de 10 de Julho do mesmo anno ficou a ser governado por uma Commissão de nomeação regea, compsta de trez membros, da qual é presidente o Exmº Bispo do Porto. Debaixo desta Administração foram as Meninas mudadas para a sua nova casa do Postigo do Sol, propriedade que lhe cedeu o Governo por Carta Regea de 30 de Maio de 1825, fazendo-se alli muitas obras importantes, e adquirindo-se agoa da Exmª Camara para uso do Estabelecimento, e por compra, terreno para a  capella (1), casa para o Capellão etc.
As educandas são admittidas provando serem orfãs de pai e mai, pobres, e sem parentes que as protejam. Devem ter idade de sete annos, e não soffreram molestia contagiosa, exigindo-se alem disso um pequeno enxoval. Na edade de dezaseis annos teem de deixar o Recolhimento, pelo que se exige quem se responsabilize por termo a tomar conta dellas nesta idade. É isto sem duvida uma triste necessidade, de que podem provir grandes males ou a  des-
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(1) Foi aberta a Capella ao Culto em 1849.




graça das educandas, por se verem abandonadas ou entregues a pessoas pouco escrupulosas em tam perigosas e ardentes annos. A instituição estaria completa se houvesse meios para dotar n'aquella idade as aducandas, e não as entregam senão a seus maridos ou a pessoas de caracter e probidade muito provada. O Hospital dos Expostos em Roma deveria servir de modelo  para todos os estabelecimentos desta natureza. Mas Roma ja não serve para modelo de nada, senão para objecto d'ambição e alvo de calunnias.

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