IGREJAS E CAPELLAS DA FREGUEZIA DA SÉ
Pelos annos de Christo de
1092, tomando o Conde D. Henrique posse desta cidade, a ampliou, ornando-a de
magnificos Palácios e Templos magestosos, entre os quais tem o primeiro lugar a
Sé Cathedral, que foi inteiramente obra sua e da Rainha sua mulher, pois a
reedificaram desde os alicerces, se bem que só chegou a ser concluída por D.
Mafalda, mulher D’El Rel D. Affonso
Henriques, sendo D. Hugo Bispo do Porto. (3)
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(1) Quer Agostinho Rebello
da Costa que este Constancio seja o primeiro Bispo do Porto, e aquela a sua
primeira Sé, conquanto outros digam que o primeiro Bispo foi S. Basilio
discípulo de Sam Tiago e condiscípulo de S. Pedro de Rates, em tempo que a cidade era em Gaia, e que este
mesmo S. Basílio edificou a Igreja de S.Pedro de Mira Gaia, que veio a ser a primeira Sé do Porto ao Norte do Douro.
Vidé Corografia Portugueza Cº 1º p. 354. Catálogo dos Bispos do Porto de
António Serqueira Pinto, +++
(2) Corografia Portug. Ibid catálogo dos Bispos do Porto, P. 1ª p.
10.
(3) Descripção do Porto,
Cap. 1º § 20 e Cap. 3º § 9º Cat. dos Bispos do Porto 1ª P. 1ª p. 11 e P. 2ª p.
8 e adiante p. 233
Foi esta Igreja sagrada por
D. Bernardo Arcebispo de Toledo (1), e é de trez naves com muitas e excelentes
capellas, e sua frontaria e magestosas torres, que ainda dizem do que foi, pois
quanto ao mais está muito desnudada. O Bispo D. Fr. Gonçalo de Moraes, que já
antes tinha feito a nova sacristia, reedificou desde os alicerces a Capella
Mor em 1609; e querendo também fazer
todo o corpo da Igreja oppos-se o Cabido, temendo que por sua avançada idade a
não chegasse a concluír. (2) Reputa-se esta Capella Mor por uma das melhores de
toda a Hespanha, e foi seu architecto um discípulo de Miguel Angelo chamado
Valentim. (3) Em 1717 em uma prolongada
se vaga architectou-se de
novo o interior pelo modo que hoje se vê (4), e no exterior pelo mesmo tempo se
fez a varanda e columnas que estam por baixo do oculo da frente da Igreja com
esta legenda:
PROESUTIS HAUD DEXTRA, SEI SEDE VACANTE,
REVIXI;
DEXTRA OPERI TANTO NUM FORET UNA SATIS?
Anno
1722 (5)
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(1) Corografia Port. P. 1º
p. 354.
(2) O author do Catálogo dos
Bispos do Porto, quando falla deste Prelado, refere como já o Cabido e a Camara se opposera à mesma
feitura da Capela Mor; mas que se opposesse depois à reedificação da Igreja
tenho-o por tradição do Senhor Bispo D. António Bernardo da Fonseca Moniz,
homem illustrado, paleografo e muito lido em codices antigos; e accrescentava
que por desforço fora o dito Bispo reedificar a magnifica Igreja dos
Benedictinos desta cidade, de cuja Ordem era. Ainda assim fez elle os Pulpitos
de mármore que são da mesma epocha, e diz o sitado author do Catálogo dos
Bispos que as obras que elle fez são infinitas não só neste bispado como fora
delle.
(3) É pena que se não possa
tornar ao que foi, porque está o granito todo furado e picado por baixo para
sustentar aquellas obessas columnas e cornijas de barro. Nem escapou a este
remoçamento a Capela Mor, pois lhe enxertaram no tecto estuques e anjos de
gesso e lhe pintaram seus bellos marmores
com tinta a fingir marmore preto. Por fortuna pôde restaurar-se em tempos do
Senhor Bispo D. Gerónimo se não há lei
contra estes monumenticidios?
(4) Descrip. Do Porto, Cap.
3 § 11.
(5) Quer dizer: Revivi, sede
vacante, sem braço do prelado; Por ventura para tam grande obra seria um só
bastante?
Pegado á Igreja do lado
nascente está o Claustro novo, obra primorosa do Bispo D. João 3º, que o fes em
1385, para o qual lhe offereceu a Camara da Cidade mil pedras lavradas. (1)
Pelo mesmo claustro se entra para a Capella de Nossa Senhora da Saude, que
mandou fazer D. Fr. Marcos de Lisboa em 1583 (2), que tambem edificou a casa do
Cabido. Nesta mesma Capella está situada a Confraria de S. Vicente com insigne
reliquia do Santo, e ha pouco se irigia tambem nella outra confraria, de Nossa
Senhora da Vandoma, transferindo-se para alli a devota Imagem da mesma Senhora,
que os Gascões trouxeram na armada, e que estava sobre o arco chamado da
Vandoma recentemente demolido. Em frente da Igreja do lado do poente ha uma
galleria moderna, construida em 1736, bella e adequada á gravidade do edificio.
(1) Cat. dos Bpº do Porto,
Pª 2ª. p.141
(2) Santuario Mariano, Fº
5º, Lº 1º tit. 2º
Tem a Igreja dentro treze
altares; e o claustro, trez. O mais notavel é o altar mor, para fazer o qual
reunio D. Fr. Gonçalo de Moraes os melhores artistas de dentro e de fora do
Reino. Está elle acanhado com um santuario mais pequeno, para a exposição
do SSº Sacramento, que parece ser alli
enxertado; e que não deixa bem gozar o magnifico painel, representando a
Assumpção da Santissima Virgem, Padroeira commum de todas as Ses do Reino. Depois do altar mor attrae mais
a attenção o do SSº Sacramento, por ser todo de fina prata lavrada. Recopilarei
as memórias desta obra; por se não acharem ainda escriptas e publicadas. Foi
ella começada em 1632, sendo Mordomo do Senhor João de Figueiroa Pinto e
Balthasar Pinto Aranha, que na presença do Conde Diogo Lopes de Sousa,
Governador da Cidade a contractaram com Manoel Teixeira e seu genro Manuel
Guedes, ourives que para este fim se mudaram de Lamego para a Rua dos Banhos
desta Cidade; e em 1639 foi collocado o primeiro corpo do Sacrario que pesou
178 marcos e tres onças de prata, custando 2$600 cada marco. O segundo corpo do
Sacrario ficou prompto em 1641 e pesou 100 marcos e 6 onças; o terceiro em 1647
e pesou 63 marcos e tres onças; o quarto e ultimo, em 1651 e pesou 60 marcos e
7 onças que já então custou a 3$440 reis o marco. Neste ultimo corpo do
Sacrario trabalhou o ourives Bartholomeu Nunes que morava na fonte então
chamada da Urina. As varandas do Sacrario foi uma acabada em 1670 pelo mestre
Sebastião Nunes pesando 26 marcos e 2 onças; e outra em 1671 feita por Manoel
de Sousa do Amaral, e pesou 16 marcos e 3 onças. havia tambem as seguintes
figuras: Éno e Noe de 29 marcos e 5 onças de peso. Moises e Arão de 15 marcos e
7 onças, todas do ourives Manoel de Sousa; San Paulo de 12 marcos e 7 onças e
San Pedro de 14 marcos e 5 onças do ourives Manoel Barbosa de 1667 a 68. Tambem
tinha uns Anjos feitos em 1679 a 81 pelo
mestre Pedro Francisco
Francez, que pesaram 108 marcos 6 onças de prata que custou a 4$700 reis o
marco. Deste ultimo ourives é tambem o frontal
do altar, feito em 1678, que pezou 119 marcos e 1 onça e é do mais perfeito
trabalho. Deste mesmo mestre era a banqueta feita em 1682 de peso de 25 marcos
3 onças, e as chapas e taboas dos Anjos pesaram 1 marco 7 onças; mas esta com
as varandas e figuras já não existem, porque levaram descaminho na invasão dos
francezes e depois no cerco do Porto em 1832 em que foi roubado o altar. Ainda
lá estam dous anjos, mas não parecem feitos pelo mesmo author do frontal. As
varandas e banqueta que tem agora são inferiores ao antigo assim na qualidade
da prata como na mão d’obra. ( 1 )
A ara deste riquissimo altar
foi construida das pedras do sepulcro de Sam Pantalião assim como foram
trazidas de Constantinopla.
Alem do magnifico painel da
Capella - Mor ha na Sacristia um quadro da Sagrada Familia attribuido a Miguel
Angelo, e outro muito bom no Altar da Senhora do Presepio. Tambem é mui rico o
serviço de prata da fabrica e alguns paramentos, com muitas outras cousas
dignas de attenção e de importância historica, que andam nos livros , onde
podem ler-se, acima tenho citado alguns delles.
Igreja de Santa Clara - situada no largo do mesmo nome. Teve por fundador
a D. João I, que por sua mão lhe lançou a primeira pedra fundamental no canto
direito do Convento; e, no canto esquerdo, seu filho o Senhor Infante D.
Affonso; e a pedra fundamental da Igreja foi lançada pelo Bispo D. Fernando da
Guerra; isto em 1416. A Igreja é um ramalhete de entalha de madeira dourada,
sendo assim no todo como nas suas differentes partes uma obra primorosa. É um
dos monumentos mais bem conservados, pois só a Sacrario do Altar Mor destoa por
moderno.
(1) Todas estas memorias são
tiradas de uns apontamentos do meu antecessor, que as extraio do Livro velho da
Confraria cujas folhas aponta.
É tambem digno de reparo o
painel do Altar mor, que representa a Santa Matriarcha salvando milagrosamente
o seu Convento dos invasores serracenos.
Igreja de S. Bento d’Ave Maria - situada no cimo da Rua das flores. Foi fundado o
Mosteiro e a Igreja por El Rei D. Manoel no ano de 1518, que prova isso mandou
a esta Cidade Bartholomeu de Paiva, Ayo de seu filho o principe D. João. Nesta
casa se reuniram quatro conventos de Benedictinas, as de Rio Tinto, Tuyas e
Sendim no Bispado do Porto, e as de Tarouquella no de Lamego. A 10 d’Outubro de
1783 ardeu a Igreja com seus dous coros, que logo foi feita de novo com sua
frontaria, galleria contigua, pateo etc, que tudo é recente e bastante
sumptuoso.
Igreja da Misericordia - situada no fundo da Rua das Flores. A casa da
Misericordia do Porto, como todas as mais do Reino, á excepção da de Lisboa,
foi fundada por El Rey D. Manoel, que por alvara de 14 de Março de 1499
convidou os homens bons do Porto a erigirem esta Irmandade, como com effeito
foi erecta na Capella de S. Tiago no Claustro velho da Sé em 1501, e d’ahi em
1559 a 13 de Dezembro passou para a sua Igreja nova da Rua das Flores com
grande solennidade a que assistiu o Bispo D. Rodrigo Pinheiro que benzeu e
dedicou a mesma Igreja (1). E porque com o andar dos tempos a Igreja ameaçava
ruina, foi de novo reconstruida por um architecto italiano chamado Nicolao
Nasoni, de quem é a fachada que hoje se vê com a era de 1750. A Capella Mor
conhecida pelo nome de Capella de D. Lopo é de 1590. Não preciso
(1) O author da Descripção
do Porto diz que foi D. Leonor mulher de D. João 2º a instituidora, mas não é
exacto; porque esta Rainha instituio sim a Misericordia de Lisboa, mas a do
Porto instituida logo depois, e as demais do Reino, são de D. Manoel. O
distincto paleografo da Misericordia Cherubino Lagoa me mostrou os authografos d’onde
consta o que fica exposto, assim nas datas como no mais. Tambem parece fora de
duvida que Fr. Miguel de Contreiras confessor da Rainha viuva D. Leonor, teve
grande influencia na instituição das Misericordias do Reino, porque todas ellas
trazem em suas bandeiras as iniciaes do seu nome: F.M.C.
(1) Descrip. do Pº Cap. 3º §
9º- Vid tambem Cap. 1º § 2º - Corog. Port.Lº Iº p. 353
encarecer estas obras, que
são famosas e bem conhecidas dos naturaes e estrangeiros.
O antigo hospital, ou antes
alvergaria, conhecido pelo do Roque Amador é com a maior provabilidade da
fundação dos Templarios pelos principios da Monarchia, e foi o mesmo senhor Rei
D. Manoel que mandou á Misericordia o tomasse a seu cargo. No anno de 1584
fallecendo em Madrid D. Lopo d’ Almeida, fundou e dotou em seu testamento o
Hospital da Misericordia do Porto, e em consequencia se começaram novas
edificações a 5 de Fevº de 1605, como se lê em uma lapide que ainda está no
sitio, que é na Rua das Flores da quina dos Caldeireiros para baixo, mas para o
interior; e ahi tambem esteve a Roda dos Expostos, que passou para a
Misericordia em 1685. (1)
O actual hospital de Santo
Antonio da Misericordia na Cordoaria, obra magestosa e sumptuosissima, que não
tem nenhum igual no Reino, nem talvez fora delle, começou a funccionar.
Entre as muitas cousas
notaveis que tem esta Santa Casa é uma o quadro pulido sobre madeira, dadiva de
El Rei D. Manoel, representando a inauguração da Misericordia, no qual se
admiram os retratos d’aquelle Monarcha, da Rainha (2), dos Senhores
infantes seus filhos e das
infantes D. Maria e D. Beatriz, do Bispo de Lisboa D. Martinho, dos Mesarios
seis nobres e sete plebeus installadores, e d’outras pessoas da Corte, todos em
roda d’uma taça, onde se derrama pelas sagradas chagas o sangue do Redemptor do
mundo. É tam rico como curioso este quadro, cujo author todavia se ignora, se
bem que o paleografo Cherubino Lagoa lhe descubrio no fundo uma sigla que
podera servir de muito para o descubrir. Quem quer que seja, só se conhece do
mesmo outro quadro no Louvre. Alem desta magnifica pintura ha mais duas
excellentes, que são um retrato pelo nosso Gloria e uma cabeça de S. João de
Vieira.
Igreja do Collegio de Sam Lourenço - sito na Rua das Aldas. A Igreja e Collegio
dos Jesuitas esteve primeiro junto á Ribeira em parte das casas de Henrique
Nunes de Gouvea, proximo da ermida de S. Francisco de Borja, erigida em 1731
pelo Reitor do Collegio que então era o Padre João Brandão, que a erigio em
memoria do Santo sobre terreno d'umas casas, em que elle habitou na primeira
vez que esteve nesta Cidade. (1) Pode dizer-se que por diligencias de S.
Francisco de Borja se estabeleceram os Jesuitas no Porto, em 1560, con
"ajuda e favor do Cardeal D. Henrique, do Bispo D. Rodrigo Pinheiro e
d'outras pessoas nobres." (2) D'alli vieram para a Rua das Aldas para o
seu novo Convento e Igreja de que fou fundador o Ballio de Lessa Fr. Luiz
Alvares de Tavora em 1577. (3) Pela extincção dos Jesuitas pagou este Convento
e Igreja para os Frades Agostinhos descalços. No poder destes soffreo no
interior grandes alterações, com que ficou á moderna (4); menos dous altares no
arco cruzeiro, que parece foram respeitados. A frontaria deste Templo é d'um
ousio e sumptuosidade admiravel, e so
mal empregada n'aquelle local.
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(1) Consta do Patrimonio da
dita Capella que está no Archivo da Camara Ecclesiastica desta Cidade.
(2) Cat. dos Bpºs do Porto.
P. 2ª cap. 36 - Corog. Port. S.I.p.
(3) Santo a primitiva
installação junto á Ribeira como depois a transferencia para a Rua das Aldas
caio em dia de S. Lourenço, rasão do
appellido que ficou a este Collegio.
(4) Por tras dos altares
modernos estam ainda os antigos.
Das cousas que restam mais
notaveis nesta Igreja é uma bellissima imagem do Croxificado de tamanho
natural, que está na Sacristia; e uns quadros de madeira em alto relevo, que
são d'um grande merecimento; um dos quaes representa o dito Ballio fundador.
Este edificio pertence hoje ao Seminario Diocesano.
Igreja de Nossa Senhora do Terço e Charidade - sita na Rua de Cima de
Villa. Foi fundada pelo Padre Geraldo Pereira, que residia em S. Domingos desta
Cidade, o qual a começou a construir em 1756, e estava servindo no culto em
1766. (1) Tem contiguo o hospital, notavel pelo aceio e bias condicções
higienicas; e nelle ha uma casa de operações muito bem montada.
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(1) Veja o Autor de fundação
e dotação no Archivo da Camara Ecclesiastica desta Cidade.
Na Secretaria desta
Irmandade ha um retrato de Domingos Tavares, em que se lê ter sido este
ecclesiastico tambem instituidor juntamente com Geraldo Pereira.
Capella de Stº Antonio do
Penedo - situada em frente do Convento de Stª Clara. Era propriedade particular
e cabeça de vinculo (1), sendo fundada pelos antecessores d'Affonso Ferraz, que
ja em 1504 a possuia, sendo então uma Ermida e devendo o seu tamanho actual a
differentes reedificações. Diz-se que foi a primeira que em Portugal se dedicou
a Stº Antonio. Está profanada e estragada desde 1832.
Capella de S. Roque - sita no Largo do Souto. Esteve uma capella antiga de Sam Roque junto
á porta travessa da Se, com voto de livrar a cidade da peste, a qual sendo
destruida pelo famoso terremoto de 1755 foi depois mudada e de novo fundada no
Souto pela Camara da cidade. A actual capella com sua escadaria e casas em
semicirculo é muito regular, e pouco estimada para o que merece.
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(1) A ultima possuidora do
vinculo, hoje abolido pela Lei de 30 de Julho de 1860, foi D. Maria Xavier de
Mello Correa.
Capella de Nossa Senhora do Patrocinio do Ferro - sita nas Escadas do
Cadeçal. A origem desta capella é na Rua Escura (ou Sam Sebastião lhe
chamavam), onde esteve o Collegio dos Meninos Orffãos, os quaes passando para o
novo Collegio de Nosso Senhora da Graça ficou a ermida do Ferro e casa dos
orfãos devoluta. Nella se metteram uns coveiros sa Se, assim chamados por
ajudarem ás Missas e servirem ao Covo;
mas como com os orfãos tinham ido as rendas, pouco lá pararam. Entraram depois
umas Beatas, e succedeu-lhes o mesmo. (1) Creio que posteriormente a 1663, (2)
debaixo da protecção e ingerencia dos Bispos desta cidade, se veio a constituir
alli um Recolhimento de mulheres conversas, o qual depois passou effectivamente
para a nova Capella e Recolhimento do Codeçal, no mesmo anno de 1757, debaixo
da inspecção do Bispo seu fundador. A antiga Capella do Ferro, da Rua Escura é
hoje da Curaria da Se.
Quanto á designação do Ferro, copiarei as proprias palavras do Santuario
Mariano, por quanto é bello e poetico este facto: "Chama-se Senhora do
Ferro, diz o auctor do Santuario Mariano (3), porque na porta da sua Igreja que
era d'arco, tinha antigamente um ferro atravessado de parte a parte,
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(1) Santuario Mariano Tomo
5º Lº 1º tit. 4º
(2) Porque ate esta epocha
chega o catalogo dos Bispos do Porto de Antonio Cerqueira Pinto, que não falla
na fundação deste Recolhimento, que lhes pertence.
(3) Ibid.
o qual ferro se mandou pôr
alli por privilegio concedido áquella Senhora, (supposto não consta que Rei
Fosse que o concedeu; tanta é a antiguidade) para que passando qualquer
padecente ao supplicio, e podendo chegar a pegar no ferro, ficasse livre da
morte. E isto era a respeito de ficarem alli perto as cadeas em aquelles tempos
antigos, mais accima da Igreja em a Rua Cham das Eiras... Hoje se vê o ferro
tam levantado que se pode passar por baixo livremente, e com trabalho se
alcança com a mão, porque se mudaram as cadeas para junto da porta do olival, e
assim quando algum padecente vai a morrer por ladrão á forca de Mija-velhas,
que fica fora da cidade, vai a justiça toda encostada áquella parte; para que o
padecente (que por alli se passa) se não passa recolher á Igreja da Senhora,
que fica com a porta para a mesma rua."
Capella de Nossa Senhora d'Agosto ou da Assumpção - sita defronte da porta da
Se. Diz-se no Santuario Mariano ser tradicção antiga que a imagem da Senhora é
aquella celebre imagem da Carqueze, que deu saude a D. Affonso Henriques, na
idade de cinco annos, e que de Lamego veio para esta cidade. É de boa
esculptura, sobre tudo o lavor das roupas. Esteve primeiro no alto dos celeiros
do Cabido, o sendo estes d'alli removidos para outra parte, pelo Bispo D.
Rodrigo da Cunha , (1)
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(1) O qual entrou no Porto a
14 d'Abril de 1619 e é o auctor do Catalogo dos Bispos do Porto, que na segunda
impressão, foi augmentado e addiccionado por Antonio Cerqueira Pinto. A esta
segunda impressão me reporto nas citações que acima faço desta obra.
e á sua carta, sobre o
terreno levantou a Irmandade da Senhora sob a protecção do mesmo Bispo a
capella que hoje existe, e que é notavel pela belleza e difficuldade da
architectura. Ja no tempo do auctor do Santuario Mariano estava a cargo dos
officiaes de Alfaiate, por ter nella S. Bom - Homem a quem festejam.
Capella de Nossa Senhora da Batalha - Estava a sua imagem mettida dentro da
Torre, que chamavam de Cima da Villa e icava debaixo da ermida a porta da
Cidade. Depois Balthasar Guedes, cidadão, com outros devotos lhe fizeram outra
ermida maior em 1590; mas muito recentemente foi reedificada. Quanto á razão do
titulo pode vêr-se no Santuario Mariano Tomo 5º tit. 3º.
Capella de Nossa Senhora das Verdades - sita junto ás Escadas do mesmo titulo. É
notavel que o Santuario Mariano não faça menção desta Senhora. Estava esta
imagem sobre o Arco que alli havia dos primitivos muros da cidade, e por isso
se lhe chamava a Senhora do Postigo. Em 1696 o Juiz Pe. João de Oliveira e mais
mordomos e officiaes da Senhora lhe erigiram nova capella
em terra de um quintal que
era da mesma Senhora ficando a capella velha para sacristia. Foi a nova capella
benzida pelo Conego Prebendado Domingos Gonsalves Prada em 10 de Março de 1700
com a invocação de Nossa Senhora da Assumpção do postigo, cita e ? junto ás
minhas casas (diz elle) e á cerca dos Padres da Companhia. (1) A imagem da
Senhora é bellissima e os arrendilhados dos vestidos, feitos na pedra, de cuja
materia é, são de perfeição admiravel. Hoje pertence á Illustre familia dos Sam
Calheiros.
Capella de Nossa Senhora das Dores e S. Jose - sita no Largo da Polícia,
com o Recolhimento das Meninas Desamparadas, que chamam do Portigo do Sol,
porque lhe fica defronte. Deve este pio estabelecimento sua origem a D.
Francisca Paula da Conceição Grelho e Sousa, mulher do Doutor Jose Teixeira de
Sousa, Corregedor e Chanceller que foi da Relação e Casa do Porto, senhora de
muita piedade e virtudes.
Por ocasião da invasão do
Exercito Frances, em 29 de Março de 1809, e a mortandade de que foi causa,
andando perdidas pelas praças e ruas da cidade muitas meninas, que ficaram orfãs e desacolhidas veio em seu
auxilio aquella piedosa mulher, recolhendo quantas encontrava em sua propria
casa na Rua Cham, onde educou e sustentou como carinhosa Mai, sem jamais as
abandonar em quanto foi viva. Esta piedosa mulher, porem, não se limitou a uma
obra transitoria, quiz fundar um estabelecimento perpetuo e desde logo por ella
mesma
___________________________________________________________________________
(1) Tudo consta da licença
para reedificação da mesma capella, documento que li e existe na Camara
Esslesiastica desta cidade.
um Estatuto para as suas
Meninas, no qual o trabalho e a oração, o ensino e a piedade estam
perfeitamente consagradas. Desde logo recolheu D. Francisca 80 meninas, e como
tem grande encaargo excedia as suas rendas, recorreu pessoalmente á caridade
publica, e sobretudo á Virgem das Dores que não podia deixar de excutar as
voses afflictas de oitenta inocentes orfãos, que careciam de pão e educação
religiosa e temporal. A fe ardente de D. Francisca venceu todas as
difficuldades e a Mai das Dores não a abandonou.
Por provisão de 8 de Outubro
de 1819 foi tomado debaixo da Regia Protecção este pio Estabelecimento, e por
Decreto de 23 de Junho de 1822 lhe fez o Governo doação de doze contos de reis
em Apolices para seu fundo, hoje convertido em Inscripções. Por Portaria do
Ministerio do Reino de 10 de Julho do mesmo anno ficou a ser governado por uma
Commissão de nomeação regea, compsta de trez membros, da qual é presidente o
Exmº Bispo do Porto. Debaixo desta Administração foram as Meninas mudadas para
a sua nova casa do Postigo do Sol, propriedade que lhe cedeu o Governo por
Carta Regea de 30 de Maio de 1825, fazendo-se alli muitas obras importantes, e
adquirindo-se agoa da Exmª Camara para uso do Estabelecimento, e por compra,
terreno para a capella (1), casa para o
Capellão etc.
As educandas são admittidas
provando serem orfãs de pai e mai, pobres, e sem parentes que as protejam.
Devem ter idade de sete annos, e não soffreram molestia contagiosa, exigindo-se
alem disso um pequeno enxoval. Na edade de dezaseis annos teem de deixar o
Recolhimento, pelo que se exige quem se responsabilize por termo a tomar conta
dellas nesta idade. É isto sem duvida uma triste necessidade, de que podem
provir grandes males ou a des-
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(1) Foi aberta a Capella ao
Culto em 1849.
graça das educandas, por se
verem abandonadas ou entregues a pessoas pouco escrupulosas em tam perigosas e
ardentes annos. A instituição estaria completa se houvesse meios para dotar
n'aquella idade as aducandas, e não as entregam senão a seus maridos ou a pessoas
de caracter e probidade muito provada. O Hospital dos Expostos em Roma deveria
servir de modelo para todos os
estabelecimentos desta natureza. Mas Roma ja não serve para modelo de nada,
senão para objecto d'ambição e alvo de calunnias.
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