sexta-feira, 30 de maio de 2014

SOBRE O PORTO


SOBRE O PORTO



Na minha biblioteca, na secção dedicada à Cidade do Porto, possuo desde há alguns anos um curioso manuscrito, que adquiri num conhecido alfarrabista, de Lisboa, por muito bom preço.


Não sendo a minha especialidade, mas apesar de algum esforço ao longo dos tempos nesse sentido, nunca consegui informações sobre o seu Autor.

Algures nas minhas pesquisas, fiquei com a impressão de que se tratará de alguém que colaborou numa fase inicial da conhecida revista " O Tripeiro ", eventualmente como gravador.

Trata-se de Fernando da Silva Carvalho Lima, e, com efeito, este manuscrito que consta de 20 folhas, em papel pautado, contem 8 desenhos a tinta-da-china, de fino traço, característico de um bom desenhador. Estes são complementados com duas gravuras de Lemaitre, uma representando um guerreiro da Península do século XI, legendada em Francês e Castelhano, e, uma outra sobre o Porto.


O manuscrito encontra-se encadernado, cozido, com capas em cuja lombada aparece o título " A Lanterna - 1910 ".


O texto, com muitas citações extraídas de conhecidas obras sobre o Porto, para além dos muitos erros ortográficos que contêm, parece-me de fraca qualidade.


Ao divulgá-lo através da Internet, viso que eventualmente possa vir a ser lido por alguém que saiba algo sobre o seu Autor, e me dê conhecimento do facto, o que desde já agradeço.


Um outro documento possuo, de Autor não identificado, cujo título é " Igrejas e Capellas da Freguezia da Se ", eventualmente escrito entre os anos 1855 e 1859, o qual divulgo.





A Sé do Porto



de Fernando da Silva Carvalho Lima


                         .................................................................

                                 Sobre a collina onde a cidade dorme,
                     destaca, ao longe o escuro vulto enorme
                                    D' antiga Cathedral;
          Fica-lhe ao lado a sucursal do inferno,
         - Velho epigrama ao lúgubre edifício,
         - Largo covil doirado, aberto ao vício,-
                                   O Paço Episcopal....
                                               ( Guilherme Braga )


Este pequeno e despretencioso trabalho sobre a Sé do Porto não tem por fim mostrara conhecimentos e erudição, mas sim descrever embora sumariamente essa gloriosa Catedral que é das mais antigas do nosso Paiz, para que os Portuguêses conheçam os monumentos que a sua pátria encerra o que por infelicidade não tem sucedido.
Ele tem por fim também levantar, se ainda mais é possível, o nome querido da " Antiga, muito nobre, e sempre leal e Invicta cidade do Porto"
( assinatura legível do Autor )


CAPÍTULO I
A fundação da Sé do Porto



o alvorecer do século V foi a Península Ibérica vítima de uma cruenta guerra de devastação. Os Álanos tendo por chefe Resplandiano, os Suevos sob o poder de Hermenerico, ou Ermérico, e os Asdingos e Silingos, conhecidos pelo nome único de Vândalos, chefiados por Gunderico e talvez ainda, por Fridibaldo, todos êstes povos barbaros, oriundos de regiões do centro e do norte da Europa, depois de terem atravessado as Gálias, devastando-as, transpozeram os altos montes dos Pirineus e continuaram na nossa Península a sua feroz e sanguinolenta obra de ruína, exício e assolação. Em todas as regiões desta, fez-se sentir então acerbamente o resultado do ataque desses povos sedentos de toda a espécie de crimes e sacrilégios, e que só reconheciam a força como única lei.--Grande número de cidades, vilas e aldeias foram pasto das chamas, depois de terem sido roubadas pelos crueis e intolerantes vencedores.

A Lusitânia, que tantas vezes patenteara o seu valor, conseguindo destroçar as mais numerosas e esforçadas legiões Romanas, causando a admiração do próprio inimigo, essa terra de herois que só fora vencida por abjectas traições, foi quasi sem custo completamente subjugada pelos Álanos. A Lusitânia, que tantas vezes se revoltára contra o poder de Roma, quando já sujeita a ele, depois de conquistada pelos Álanos, pouco ou nada reagiu. Por que motivo se operou esta lastimavel transformação no ânimo belicoso dos Lusitanos? É um problema de dificil resolução, mas que por certo deve ter a sua base no imbele estado moral e social do povo Romano.

Tempos após a invasão, foi a Península dividida pelos vencedores, que já começavam a redificar muitas das cidades que tinham destruído. É assim que os Álanos, como já vimos, ficaram com a Lusitânia. Os Vândalos apoderaram-se da Bética e os Suevos estabeleceram-se na Galisa.

Mas a paz, entre êstes povos que se haviam unido para a conquista, era impossivel. Gunderico, Hermenerico e Ataces (sucessor de Resplandiano ) eram trez reis fortes, e todos, vencedores; como sempre foi e será, a ambição de maior poder, tornou-os rivais. Ataces, que era de entre eles certamente o mais ambicioso e mesmo o mais forte, esperava a cada momento um ensejo para romper as hostilidades com os Suevos e os Vândalos, a fim de alcançar o almejado intento, que quasi veio a realisar: ser senhor de toda a Hespanha.

Mais cedo talvez do que julgava, a ocasião se proporcionou-- Hermenerico tinha-se apoderado de algumas cidades para o sul do Douro, sitas portanto no território dos Álanos. Sabedor disto, Ataces, reunindo o seu numeroso exercito, correu a impedir os passos dos Suevos. Após algumas batalhas em que a vitória quasi sempre sorriu aos Álanos, Hermenerico aliou-se com os Vândalos, julgando poder assim derrotar o seu perigoso e valente inimigo; mas a caprichosa vitória, continuou a ser companheira deAtaces e o exercito Suevo- Vândalo foi copiosamente batido, se não desbaratado, n' um sangrento combate travado junto dos muros da cidade de Coimbra. Gunderico pereceu quando batalhava.

Em virtude do tratado de paz feito entre Ataces e Ermérico, foi este coagido a dar em casamento, ao rei Suevo, a sua filha Cindasunda. Porém então, a concórdia entre os vencedores e os vencidos era mais do que nunca impossivel, quer pela situação dos Suevos e dos Vândalos, quer pela demasiada pressão e autoridade que sobre eles Ataces exercia; e é por estas duas causas, principalmente pela última que os Suevos e os Vândalos, unidos os exércitos, renovaram a guerra com os Álanos. É por essa ocasião, que Ataces, morre n' uma batalha junto de Mérida, quando combatia. Após a sua morte, Hermenerico, tendo dominado os Álanos e tendo conseguido expulsar os Vândalos, seus aliados, para o norte de África, ficou senhor único da Hespanha.

Convem agora voltarmos atraz: cêrca de um ano depois da batalha de Coimbra, a que já nos referimos. Ermérico que se acolhêra com os Suevos nas margens do Douro, mandou construir ao norte dêste rio, num alto monte, um castelo: é o do Porto. Defronte dele, na outra margem, existia uma povoação muito antiga chamada Cela: é a actual Vila Nova de Gaia.

Eis a transcrição d' uma interessante passagem da " Monarchia Lusitana " de Fr. Bernardo Brito:

"Outra antiguidade pouco vulgar se collige tambem do Concilio que he a nova fundação da cidade do Porto no sitio em que agora está da outra parte do Douro, pois claramente faz distinção entre a cidade do Porto antiga (que como vimos na primeira parte desta obra foi fundada por Gregos e Floreces em tempo de Romanos) e a presente que os Suevos edificaram no logar em que agora está e puserão nella a Igreja Cathedral, e toda a dignidade e preeminencia que teve a primeira, situada (como algumas vezes tenho dito) onde agora vemos as ruinas de Gaya"...." e não só diferião em tempo, sítio e povoadores, mas inda no nome: porque a esta presente puzerão os Suevos nome Festabole como se vê na divisão dos Arcebispados d' El - Rey Wamba, onde nomeando os que hão de ser sogeitos a Braga diz : Festabole, nel Portugale, Festabole, que por outro nome se diz Portugal, e Grcia de Loisa nas Anotações do Concilio de Lugo diz: Portugale, Festabole, quoque appellabatur, que o Porto se chamava tambem Festabole que em lingoa Sueva tanto val como Praia Nova ou Porto Chão, o que seria diferença da povoação antiga que estava em logar mais alto e de peor serventia que a presente."

O Concilio de que Fr. Bernardo de Brito fala na sua crónica é o de Lugo, que se realisou em 569 e do qual falaremos mais detalhadamente d'aqui a alguns instantes. Diz o monge Cisterciense que --:"outra antiguidade pouco vulgar se collige tambem do concilio que he a nova fundação da cidade do Porto no sitio em que agora está da outra parte do Douro,..."-- convem contudo saber que quando êste Concilio se realisou, já a cidade do Porto se erguia na margem direita do Douro à perto de século e meio, isto é, desde cêrca de 417.

Torna-se agora necessário saber alguma cousa dos antecedentes dêste Concilio.

Os Álanos, os Vândalos e os Suevos, reunidos já sob o poder d'êstes, eram povos acentuadamente pagãos. É só no reinado de Teodomiro, nos meados do séc. VI, que os Suevos, abraçam a religião católica, segundo alguns autores devido a um milagre de S. Martinho, Bispo de Turon. A fé, estava em princípio na nossa Península, mas, como sucede a tudo o que é novo, era tal o entusiasmo por ela, que logo em toda a parte surgiram igrejas, como por encanto. Teodomiro, pouco tempo após o estabelecimento do catolicismo nos seus estados, sendo Papa Honório I, reuniu em Braga um Concilio ao qual assistiram os seguintes Bispos: Lucrécio de Braga, André de Iriaflávia, Martinho de Dume, Nucêncio de Coimbra e mais quatro que não se sabe a que comarca pertenceriam: Cotto, Hilderico, Melioro e Timotheo. Temos fortes razões para crer que êste último era o de Portucale, tanto mais que por essa ocasião houve n'esta cidade um Bispo que teve o nome de Timotheo.

Mas de todos os Concilios então levados a efeito, aquele que maior interesse tem para este caso é o de Lugo, que se realizou no dia 1 de Janeiro do ano de 569, ainda quando reinava Teodomiro. Por meio d'êste Concilio, como diz o célebre monge Cisterciense, se sabe que -- " puserão nella ( cidade do Porto nova ) a Igreja Cathedral, e toda a dignidade e preeminencia que teve a primeira, situado ( como algumas vezes tenho dito ) onde agora vemos as ruinas de Gaya...". Esta passagem é de capital importância, pois é por ela que se sabe ter-se erigido na cidade do Porto, uma Igreja Catedral, o que é de grande valor para o assunto de que estamos a tratar. Uma das clausulas do Concilio de Lugo, a que se refere ao Porto é tambem de cabal conveniência transcrever:

" 3: A Igreja Cathedral do Porto que está edificada no castelo novo dos Suevos tenha as Igrejas qye estão em sua comarca, convem a saber: Vila Nova, Betoania, Visea, Menturio, Forebia, Bramuste, Pangaoste, Lumbo, Nestes, Napolles, Carmano, Magneto, Leporeto, Melga, Tangabria, Villagomede, Tanuata. Alem disto os lugares de Lambrencio, Aliobrio, Valericia, Turlango, Ceras, Mendosas e Palencia que são vinte e cinco Igrejas súbditas a uma. " De todos estes templos, cremos não existir nenhum actualmente.

Pouco tempo após o Concílio de Lugo, os Suevos que já tinham sustentado enumeras lutas com os Visigodos, que então obedeciam a Leovigildo, foram vencidos e dominados por eles. É natural que durante as batalhas travadas entre êstes dois povos e mesmo depois de alcançada a completa sujeição dos Suevos, o Porto tivesse padecido as consequências dessas guerras, pode mesmo ser que a Igreja Cathedral tivesse sofrido alguma cousa, tanto mais que quando os Suevos foram incorporados no reino dos Visigodos ainda êstes não se tinham cristianisado, facto que só no reinado de Recáredo, sucessor de Leovigildo, se veio a realizar.

Cêrca do ano de 716, foi o Porto, não subjugado como o fôra pelos Visigodos, mas sim por completo destruido pelos Mussulmanos, que na ansia da conquista, devastaram as cidades por onde passavam, deixando sempre o caracteristico rasto de ruina e destruição. Foi assim que a Igreja Cathedral do Porto ficou totalmente demolida. Dela já nada resta hoje, e é só a varios escritos que devemos saber que os Suevos outrora fundaram uma Cathedral, na capital do Norte do nosso paiz.

Mais tarde, em 820 foi o Porto libertado do jugo dos infieis por D. Afonso I, ilustre descendente de Pelagio, mas alguns anos depois caiu de novo em poder dos Mussulmanos, que eram comandados por Almansor, o mais cruel e valente general do rei de Córdova.

Nos fins do século X, uma armada de Gascões que vinham tentar fortuna, por meio da guerra contra os Mouros, na Península Ibérica, ancorou nas margens do Rio Douro. D. Nónego bispo de Vandôme que renunciara esse elevado acrgo para vir lutar contra os Maometanos, D. Moninho Viegas, avô do conhecido aio do nosso primeiro rei, e D. Sisnando irmão do precedente e que veio a ser bispo do Porto, eram os seus chefes.

Como após o desembarque tivessem visto completamente despovoado e em ruina aquele logar tão agradável que fora Festabole, começaram logo a edificar aí uma cidade muito bem fortificada, a fim de melhor poderem expulsar os infieis, dos arredores, e mesmo alargarem as conquistas para o interior tanto quanto fosse possivel. Algum tempo depois, erguia-se n'aquele esplêndido local, uma cidade com grandes muralhas e torres, pronta a suportar os ataques por vezes imprevistos do inimigo. A Igreja Cathedral foi também reedificada. D. Nónego, que trouxera de França, como recordação, uma imagem de Nossa Senhora de Vandôme, mandou construir por detraz da Sé um arco e n'ele colocou a dita imagem, que ficou sendo a padroeira do Porto e que figurou como ainda hoje figura no brasão da Invicta.


O Arco de Vandôme, foi destruido nos meados do século passado. Dizem ter sido os melhoramentos, a causa dessa demolição, que sobremaneira mostra a índole dos Portuguêses; destruir as cousas de valor para se construir ninharias e quando se poder...Sempre assim fomos e assim serêmos sempre, porque no nosso paiz só uma pequena quantidade de pessoas tem noção do respeito e da admiração que se deve ter para com as cousas, qu, como o Arco de Vandôme, teem visto nascer e mprrer um grande número de gerações. Do mesmo modo também em Portugal, os monumentos históricos são despresados, abandonados e ás vezes derruem vítimas do tempo, dos elementos da naturêsa ou do homem, como está a suceder hoje, com as vetustas muralhas do Porto.

Alguns anos depois, D. Moninho Viegas, prestou vassalagem ao rei de Leão D. Afonso V que contente pelas proezas do nobre Gascão o fez governador da cidade que edificara, dos terrenos que havia conquistado aos Mussulmanos e d'aqueles que no futuro viesse a conquistar.

No ano de 1092, ou segundo alguns autores, no de 1095, o Conde D. Henrique e sua mulher " Donna Tarasia Regina ", tomaram posse do Porto e de todos os territórios que juntamente com 



 (Reprodução de gravura de Lemaitre intitulada " Guerriers de la Peninsule au XI Siécle" e subtitulada " Guerreros de la Peninsula en el Siglo XI " )

esta cidade formavam o condado de Portugal ( Ego Comes Domnus Hennrhicus una pariter cum Conjugia mea nomine Tarasia prolis Adefonsi Principus totius Espanie...-- Ego Henricus Comes, et uncor mea Tarasia...-- Ego Henricus Dei Gratia Comes, et totius Portugalis Dominus...)

Por várias vezes êstes dois soberanos residiram no Porto. N'uma dessas ocasiões como tivessem visto a lastimável e ruinosa situação em que se encontrava a Igreja Catedral, o Conde D. Henrique e a raínha D. Terêsa movidos pela fé que em tantas conjunturas tinham patenteado e que era então por assim dizer a única cousa que mais estimulava os ânimos de todos os cristãos à prática das maiores aventuras e trabalhos, resolveram reconstrui-la desde os alicerces. No princípio do século XII, em 1108 ou 1109 deu-se início à obra. O acabamento porem só muito tarde o veio a ter já em pleno Reinado de D. Afonso Henriques, que conduzido pela mesma estrêla coruscante da fé, cuidou com desvêlo esse trabalho de reedificação. A Rainha D. Mafalda concorreu também com grandes e importantes quantias. Não se pode contudo precisar o ano em que a Sé ficou concluida e em que foi sagrada com os costumados ritos, por D. Bernardo, arcebispo de Toledo.Ainda menos se sabe quem foi o arquiteto, português ou estrangeiro, que delineou o traçado da sua construção.

Em 18 de Abril de 1120 a Rainha D. Terêsa doou " o castelo do Porto, com pertences e rendimentos e com algumas egrejas, ao bispo do Porto, oriundo de França, Hugo, a quem era muito afeiçoada.Tres annos depois o bispo confere um foral ao burgo, ( 14 de Julho de 1123 ) em que fixava as taxas e censos que os habitantes haviam de sstisfazer ao novo senhor. Os quatro primeiros sucessores de Hugo confirmaram similhante foral, fortificaram e ampliaram os direitos de senhorio sobre os habitantes, engrandecendo continuamente suas propriedades." Esta doação da esposa do Conde D. henrique foi em 1200 confirmada por D. Sancho I.

Alguns anos antes D. Terêsa tinha mandado construir no Porto um magnifico palacio que comunicava com a Sé por meio de umas escadas ainda hoje conhecidas pelo nome tradicional de " Escadas da Raínha ". Era por meio d'elas que a Raínha com a sua comitiva se dirigia para a Catedral.


 





CAPÍTULO II

Sumária descrição da Sé

 Porto teve como única freguesia a da Sé até ao tempo do Bispo D. Marcos de Lisboa. Este prelado ilustre tendo visto que a Invicta era já grande de mais para possuir apenas uma freguesia, dividiu-a em mais três partes que foram as de Nossa Senhora da Vitória, S. Nicolau e S. João de Belmomte, actualmente esta última já não existe em virtude de no seu lugar se ter edificado um convento.

A fim de melhor se vêr a superfície e o sítio que outrora ocupou a cidade do Pôrto traçaremos em poucas palavras os seus limites no tempo de D. Pedro I, indicando o caminho que seguia a muralha (1) do Porto:

Tinha o principio na Porta Nova ou Porta Nobre, a mais importante de todas, dirigindo-se para nascente até à Ribeira. Entre estes logares existiam as Portas de Banhos, da Lingueta e do Peixe.




(1) D. Afonso IV foi o rei que poz hombros à magistral empresa da fortificação da Invicta , consignando rendas para esse melhoramento que há muitos anos já, urgia que se fizesse, e tendo ordenado que todos os indivíduos dos julgados visinhos fossem obrigados a contribuir para aquela obra ou com materiais e dinheiro ou com o trabalho durante um prefixo número de dias. A construção da muralha principiou pois no reinado de D. Afonso IV e prolongou-se até ao de D. Fernando, tempo em que se fechou o circuito, mas só foi acabada nos primeiros anos do século XV. Como se vê foi devido ao seu trabalho e dinheiro que o Porto viu erguer-se do granito umas preciosas muralhas que lhe serviram de defêsa. Esse baluarte que tinha quasi uma légua de extensão possuia uma enorme quantidade de torres quadradas geralmente 3 m mais altas do que ela, que em regra tinha de altura 9 m. As torres de Cima de Vila e Olival tinham porem o dôbro da altura da muralha. Estafortificação era ainda provida de uma grande abundancia de Portas que ligavam o interior da Cidade com o exterior. Presentemente já pouco existe desse glorioso monumento, obra de tantas recordações, de tanto apreço histórico e mesmo arquitetónico. Há apenas um pequeno resto em constante ameaço de destruição que nem sequer está em poder de quem o devia possuir: a Câmara Municipal. Há apenas uma minuscula parte do antigo muro que sem o amparo de que necessita será certamente, e em breve, demolido por mãos iníquas, antiportuenses e antipatriotas. Oxalá porem que tal não suceda e que o Porto orgulhoso dos seus trabalhos, como sempre tem mostrado ser, saiba proteger com extremado afecto e zelo aqueles pedaços de muralha que assistiram a tantas provas do patriotismo portuense e a muitos factos históricos até agora desconhecidos que eles narrariam se podessem falar.Mas para que assim seja é preciso que haja Portuenses que saibam compreender que aquela muralha, velha " crónica de pedra " como diria Passos Manoel se serviu outrora de defêsa ao Porto e se hoje é inútil para tal, ela é , contudo, um dos mais belos e tradicionais padrões das prístinas glórias da " antiga, muito nobre, sempre leal e Invicta Cidade ".




Da Ribeira subindo o monte chegava à Porta do Sol de onde se dirigia para a de Cima de Vila ou da Batalh; d'aqui a descer alcançava Carros cuja Porta foi aberta no reinado de D. Manoel. Em seguida aquele grande baluarte encaminhava-se para a Porta de santo Eloy; d'esta a subir de novo atingia o Olival (2) que ficava próximo do Jardim da Cordoaria. Esta última parte da muralha compreendida entre a Porta de Carros e a do Olival abateu em 1529 tendo sido " sine mora " reedificada por ordem de D. Manoel. Do Olival descendo até á Porta das Virtudes e á da Esperança ia fechar o circuito na Porta Nobre. Como se depreende desta pequena e resumida descrição da muralha do Porto, a cidade da Virgem era no reinado de D. Pedro I aproximadamente a trigéssima parte da actual.

A Sé erguida como hoje no monte a que deu o nome dominava então toda a cidade. Ela tem na sua frente a Rua da Banharia ( 3) e nas trazeiras a Travessa da Sé. Cercam-na tambem mais algumas pequenas ruas. Na fotografia do Porto que aqui inserimos vê-se bem a Igreja Catedral com as suas torres e á direita o palácio do Bispo.

Referindo-se á Sé escreveu algures o sr. J. de Vasconcelos: " Algumas terras como Coimbra, Lisboa, Évora repartem as honras que competem ás suas catedrais com outros templos não menos célebres dentro da mesma cidade.

Contudo o Porto só possui uma Sé, uma grande e veneranda avó, porque os outros templos, aliás notaveis como S. Bento da Vitória, Santo Agostinho, os Grillos, são repetição do mesmo typo severo, mas pouco original.".

Diz o sr. J. de Vasconcelos que o Porto só possui uma Sé o que dá a entender que qualquer das trez cidades por ele mencionadas antes teem duas ou trez ou quatro,etc. Coimbra, na verdade tem a Sé Velha e a Nova, mas Lisboa e Évora só possuem uma. Diz ainda o sr. Vasconcelos que essas cidades repartem as honras que competem ás suas catedrais com outros templos não menos célebres, o que não sucede com o Porto. Cremos que o sr. J. de Vasconcelos elabora n'um erro pois não nos consta que haja em Lisboa um templo " não menos célebre " do que a Igreja Catedral; o mesmo sucede em Coimbra. E enquanto n'estas cidades as Sés se sobrepôem nitidamente a todos os outros templos no Porto um há que se impõe pela sua antiguidade e valor, é a Igreja de S. Martinho de Cedofeita que, segundo dizem, foi fundada por Teodomiro rei dos Suevos e dedicada a S. Martinho de Tours. Mas estamos convencidos de que isto foi um simples acto impensado de que o sr. J. de Vasconcelos mais adiante se resgata d'uma maneira perfeita e conscenciosa indicando o que resta hoje da Sé fundada pelo Conde D. Henrique e a Rainha D. Terêsa, ou seja, da construção do século XII:




(2) A Alamêda do Olival foi construida em 1611 á custa do imposto de vinho; era guardada por quatro homens cujo soldo de oito mil reis anuais provinha tambem do dito imposto.

( 3 ) Por longo tempo se discutiu o nome desta rua. Alguns autores dizem ser ' Banharia ' porque outrora, segundo afirmam, aí existiu uma casa de banhos; outros porem dizem que deve ser ' Baínharia ' em virtude de ter havido lá uma fabrica de baínhas. Inclinamos-nos para esta solução do problema apezar do nome oficialmente dado pela Camara Municipal ser de Banharia.






( Gravura de Lamaitre intitulada " Porto " )

"...há porem um núcleo antigo, do qual temos de partir para a nossa viagem archeológica atravez das naves. É o cruzeiro coroado de ameias, românico ainda em parte da ornamentação por exemplo na faixa enxaquetada, que cinge o primeiro terco da estructura. Este núcleo foi talhado segundo a planta da Sé Velha de Coimbra! As torres são antigas sómente até á parte marcada com uma cinta de esferas ( um terço da altura actual aproximadamente).

Tal como o cruzeiro se apresenta hoje exteriormente, coroado de ameias, assim se apresentavam na primitiva as longas linhas paralelas da grande nave e as torres quadradas que agora terminam n'uma varanda de balaustres ( século XVIII ) e projectam para o céu umas cupulas achatadas, em feitio de cebola, que fizeram acreditar um artificio mourisco! ( sic ). Seria sómente por serem achatadas, com uma vaga semelhança de turbante? Não sei.

Um friso de modilhões, muito simples, amparava o beiral da nave mestra e do cruzeiro; neste ainda estão visiveis e bem conservados. É de crêr que a torre lanterneta quadrada, assente na intersecção da nave e do cruzeiro represente uma idea do plano primitivo; as ameias e outros detalhes da lanterneta parecem indicar o século XVII. A factura é de alvenaria ligeira, reforçada com cantaria nos 4 arcos grandes, góthicos, distribuidores da luz.".

Além disto há tambem da antiga construção alguns arcos acentuadamente Românicos situados em dependencias escuras que estão em obras como quasi toda a Igreja.

O frontispício é já muito mais moderno. O Pórtico principal foi edificado pelo Cabido da Sé, sede vacante, segundo alguns autores em 1722 e segundo outros no ano de 1717; mas seja como fôr é com toda certeza do primeiro quartel do século XVIII. A Rosácea, grande e muito ornamentada assim como                           que sob ela se encontra com as caracteristicas figuras de anjos indica - nos claramente e sem duvida, nem erro possivel o estilo de D. Pedro II.

A Sé do Pôrto que, como disse o erudito padre António Carvalho da Costa: " póde competir com os melhores Templos de Espanha " é na parte interior bastante espaçosa e contem trez largas naves separadas por duas filas de colunatas; possui 18 capelas e altares de grande vâlor.

De entre todas a Capela - Mór é com certeza a de maior importancia; foi por ordem do celebre Bispo D. Fr. Gonçalo de Moraes, religioso da Ordem de S. Bento, começada a construir inteiramente de novo, e acabada, no ano de 1609, em sede vacante, junto com o côro. Ela é sine dubitatione uma das mais notaveis de Portugal e mesmo da Peninsula. Está separada da Igreja por uma grade de bronze lavrado que tem um belissimo corrimão de mármore preto. O pavimento é tambem de mármore mas encarnado e branco, com o feitio de xadrêz. Os corpos dos santos e mártires Pacífico e Aurélio estão colocados proximo da Capela - Mór; o primeiro do lado do Evangelho e o segundo do lado da Epístola.

A Capela do Santissimo Sacramento construida em 1712 e muito conhecida, é da mesma maneira bastante rica; possui uma banqueta e sete lampadas de prata; o altar, o sacrário, o retábulo, o docel e o frontal são de prata batida mui bem trabalhada, e, em relêvo, tem alguns passos da Bíblia com alusões à vida de Jesus Cristo. À esquerda d'esta capela ergue-se o rico altar de Nossa Senhora da Silva cuja imagem afirmam ter sido encontrada entre silvados, quando, sendo Bispo do Porto D. Hugo, se abriam os alicerces para a construção da Sé. Esta imagem que é de elevada estatura, era por assim dizer, a patrona da piedosa Rainha D. Mafalda que quando morreu lhe legou quasi todos os seus vestidos e joias. Diz-se tambem que a imagem do Senhor de Alem que está no altar do seu nome foi encontrada na serra do Pilar em 1139. Goza dos mesmos privilégios do altar de Nossa Senhora da Silva, por estar em idênticas condições e tem por cima um belo quadro a óleo que representa S. Pedro a receber as chaves das mãos de Cristo. São estes os principais altares.

É tambem digno de menção o actual baptistério da Sé, todo de bronze, e que foi feito pelo grande artista Teixeira Lopes, pai.

Na Sacristia estão algumas cousas de valor como por exemplo, alfaias de grande antiguidade, muitas peças de egreja e um painel de Nossa Senhora que dizer uma das geniais criações de Rafael.

Se estas duas partes da Catedral do Pôrto, sobretudo a primeira, teem grande importancia, outra há que a elas se pode comparar, é a do Claustro, de que resumida e concisamente vamos falar.

O Claustro da Sé do Pôrto é dos mais característicos e puros especimens do estilo gótico no nosso paiz. Foi começado a construir em 1385 pelo Bispo D. João III. A Câmara Municipal da Invicta como se depreende de um documento que existe no seu Cartório deu para esta obra 1000 pedras lavradas como recompensa do grande número de benefícios prestados à cidade por este Bispo.

O Claustro está situado no lado sul da Catedral e um dos seus lanços está encostado á Igreja com a qual comunica por meio de duas portas. É quadrado e os seus lances são constituidos por quatro arcadas que por sua vez se dividem em trez arcos que são sustentados por colunas duplas excepto no lanço que corre a par da Igreja; nêste as duas arcadas do centro são abertas a fim de estabelecerem mais facilmente a comunicação entre a parte interior e a exterior. A meio desta ergue-se uma cruz latina que foi mandada construir em 1609 pelo Bispo D. Fr. Gonçalo de Moraes, Religioso da Ordem de S. Bento que durante esse fez não só muitas e importantes reformas mas tambem uma enormidade de melhoramentos.

Na parte superior das arcadas abre-se um óculo em chanfro. No interior, as galerias estão cobertas por abóbadas de pedra, com artesões que vão pousar entre as arcadas e sobre os pilares a que estão adussadas cinco colunas. Nos lances há algumas portas já reconstruidas que comunicam com a sacristia, com o antigo claustro que era pequeno e imperfeito, com a galeria superior, etc. Um desses lanços está em contacto com quatro capelas das quais, uma, a de Nossa Senhora da Saúde que foi mandada construir por D. Gonçalo de Moraes ou talvez por D. marcos de Lisboa, é a mais importante; n'ela é que se encontra o carneiro para jazigo dos Bispos.As paredes desta capela estão revestidas de azulejos, com desenhos que descrevem vários passos da Sagrada escritura.

SÕbre o lance que corre a par da Igreja, há um pequeno terraço com varanda, e sobre os outros existe uma galeria cujo této lavrado com pinturas é sustido por algumas colunas Dóricas. Estas galerias superiores e a varanda foram feitas no princípio do século XVII sendo Bispo do Pôrto o Religioso da Ordem de S. Bento, D. Fr. Gonçalo de Moraes.

Descrita a Sé resta-nos apenas, n'este capítulo falarmos d'uma sepultura qye ela possui e do desaparecido cofre de S. Pantaleão.

Essa sepultura, em que repousa D. Martim Mendes Paes foi doada á Catedral do Porto por D. Branca Paes no ano de 1317. É de estatua jacente como as da Sé de Lisboa, a de Leça de Bailio, etc. A Cabeça da figura que por certo pretende representar o morto, esta deitada n'uma almofada; o naris é perfeito, os cabelos são um pouco anelados a barba aportada e o bigode a ela unido. As mãos juntam-se sobre o estômago. Cobre-lhe o corpo e a nuca um longo manto cujas pregas estão feitas com extrema naturalidade. O contrário sucede com a estátua jacente de Leça de Bailio: a cabeça assenta n'uma almofada que deve ser muito dura pois não verga ao seu pêso; as pregas do hábito são ríspidas e caiem d'uma maneira forçada. Mas voltemos á do Pôrto.

Uma das partes laterais da área sepulcral está dividida em treze pequenos nichos de estilo gótico, separados por duas colunas simples e coroados por um arco trilobado. No nicho central encontra-se uma imagem que representa Cristo e nos restantes outras figuras que facilmente se compreende serem os apóstolos: é a Ceia do Senhor.

O Cofre de S. Pantaleão segundo Damião de Goes diz na sua " Chrónica d' El-Rey D. Manoel " teria sido mandado construir por este monarca.Outros autores julgam que quando o soberano " Venturoso " foi eleito rei já o trabalho do Cofre ia deveras adiantado. Porem a nós várias razões nos levam a crer que quando D. Manoel subiu ao trono estava apenas traçado, pelo seu antecessor, o plano da construção. O prórpio Cofre assim nos faz pensar: no lado esquerdo vêem-se as armas de D. manoel que por engano teem 13 castelos e do direito o pelicano, célebre emblêma de D. Jão II.




( Segue-se desenho a tinta da China ,a página inteira, do Cofre de S. Pantaleão, realizado pelo A. )

No livro " A Arte Portuguêsa " encontra-se uma sumária descrição da vida de S. Pantaleão, patrono do Pôrto.

" São Pantaleão nasceu na cidade de Nicomedia sob o império de Maximiano; a sua profissão era a de médico. Convertido ao christianismo começou a fazer curas milagrosas que excitaram a inveja dos colegas da cidade. Acusaram-no de sortilégios e ele, em resposta cura um paralítico, abandonado pela sciência com a simples evocação do nome de Jesus. Começou então o martírio; lançaram-no ao Mar, e depois ás feras, mas o Mar devolveu o corpo vivo e as feras prostraram-se a seus pés; os outros suplícios das unhas de ferro, das tochas ardentes, o martírio da roda, não deram melhor resultado. Afinal ataram-no a uma oliveira para o degolarem; animamndo finalmente, ele mesmo, os algozes, que já temiam executar a sentença, lhe foi cortada a cabeça, da qual saiu em logar de sangue, leite, e a oliveira se viu carregada de sazonados frutos. O corpo foi enterrado porque não o poderam queimar, mesmo depois de morto " ( Agiologio ).

Após a tomada de Constantinopla pelos Turcos, alguns gregos cristãos trouxeram para Portugal o corpo de S. Pantaleão dentro d'um sepulcro de pedra que ficou depositado na Igreja de S. Pedro de Miragaia. Trinta e seis anos depois, isto é em 1499 o Bispo do Pôrto D. Diogo de Sousa fê-lo transportar para a Sé: " no próprio sepulcro em que vierão ( as reliquias ), que hoje serve de altar na capela do Santissimo Sacramento, e se meterão em huma arca chapada de laminas de prata, que El-Rey D. João o segundo mandou em seu testamento se fizesse, para depósito das sagradas relíquias "....." a qual arca vindo El- Rey D. manoel em romaria"..." passando por esta cidade no fim do ano de 1502 mandou se fizesse, e acabasse, no modo que El-Rey D. João tinha ordenado" Cardoso - Agiologia vol.IV.

O cofre era composto de uma caixa, coberta por uma pirâmide truncada em cujas extremidades estavam dois anjos e cujas arestas eram ornamentadas com trifólios. Na base distinguiam facilmente as folhas de acanto. Os cardos, símbolo do martírio estavam representados embora mal sobre todas divisões da fachada. No desenho que inserimos, cópia fiel do trabalho do sr. Torquato Pinheiro, vê-se claramente na parte central S. Pantaleão na cruz da oliveira; no quadro esquerdo em cima uma conversão (?); no de baixo a cura dum paralítico; no quadro da direita o navio grêgo que o trouxe para Miragaia; e nas duas extremidades as armas de D. Manoel ( que por engano teem 13 castelos ) e as de D. João II.

Tal era o Cofre de S. Pantaleão que estava situado próximo do retábolo da Capela - Mõr da Sé e que apezar dos previdentes conselhos escritos, de D. Diogo de Sousa, aos seus sucessores, desapareceu milagrosamenteda Catedral durante as lutas civis entre D. Pedro e D. Miguel.

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No princípio do século XVIII a Sé tinha oito Dignidades: Deão, Chantre, Mestre Escola, Tesoureiro - Mõr, Arcediago do Porto, Arcediago de Oliveira, Arcediago da Régua, Arcipreste, doze Cónegos, dez Bachareis e quatro mios Bachareis. O Deão tinha duas conesias e os frutos a Igreja de Sovereira que lhe rendiam dois mil e tantos crussados. O Chantre tinha tambem duas conesias assim como o Mestre - Escola, Arcediago de Oliveira, Arcediago da Régua, Arcipreste, que rendiam mil crussados cada. O Tesoureiro- Môr e o Arcediago do Pôrto apenas tinham uma conesia.

O bispado do Pôrto compreendia então, a cidade, os arredores e as comercas de a Maia, Penafiel, Sôbre-Tamega e Feira com a soma total de 342 Igrejas Paroquiais.

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O Paço episcopal é dos maiores edifícios do Pôrto, apezar de não estar acabado. Foi começado e reedificar nos fins do século XVIII pelo Bispo D. Fr. João Rafael de Mendonça, no mesmo logar onde outrora se encontrava, isto é: junto á Sé do Pôrto.

O seu majestoso aspecto digno de se admirar torna-se ainda mais magnífico e interessante quando visto do Douro, à noite: grande, e com uma enorme quantidade de janelas iluminadas assemelha-se a um monstro de pedras ardendo interiormente e vomitando chamas.

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Desde a sua fundação pelo conde D. Henrique e a Rainha D. Terêsa até á actualidade, a Sé do Pôrto, assim como o Paço Episcopal, tem assistido aos mais variados factos históricos. Dentro d'ela se teem resolvido casos de grande influencia na oscilação dos dois pratos da Balança Nacional, o do mal e o do bem.

Foi na Igreja Catedral que em 1147, o Bispo D. Pedro Pitões convidou uma armada de crusados que dêra á costa, a juntamente com D. Afonso Henriques ir tomar a cidade de Lisboa.

Alguns anos mais tarde, pela primeira vez, entravam no Paço Episcopal cavaleirosarmados e com intenções hostis; eram guerreiros de D. Sancho I que vinham prender o Bispo D. martinho Rodrigues por causa de êste orgulhoso prelado não ter ido esperar o Rei ás portas da cidade como era seu dever. Tempos depois passava-se na Sé do Porto um caso que o Pôrto nunca até ali tinha presenciado: o Bispo no meio das mais lúgubres pompas lançava o anatéma sobre o Rei e proferindo as palavras rituais desligava todos os indivíduos do juramento de fidelidade prestado ao Rei. Desde então as excomunhões e os interditos sucederam-se e quasi todos os Bispos até ao tempo de D. Pedro I se serviram constantemente dessas armas espirituais, contra os monarcas.

Mas a contrabalançar com estes funestissimos acontecimentos outros houve em seguida que alegraram todo o povo, como por exemplo o consórcio de D. João I com D. Filipa de Lencastre, na Sé do Pôrto:

" E todo prestes pera aquelle dia, partiore El Rey à quarta feira , donde pousava, e foyse aos Paços do Bispo, hú pousava a Infante, e á quinta feira foram as gentes da Cidade juntas em desvairados bandos de jogos, e danças per todalas praças com muitos trebelhos que faziô. as principaes ruas, por hú estas festas aviam de ser, todas eram semeadas de desvairadas verduras & cheiros. El Rey sahio daquelles paços em sima de hú cavallo branco, em panos douro Realmente vestido & a Rainha em outro tal muy nobremente guarnida: levavõ nas cabeças coroas muy ricamente obradas, & aljosar de grâde preço..."..." a gente era tanta, que se nom podiam reger, nem ordenar; por o espaço, que era pequeno dos paços á Igreja: & assi chegarom ás portas da Sé, que era dalli muito perto, hú D. Rodrigo Bispo da Cidade já estava festivalmente em Pontifical revestido esperando com a Cleresia, o qual os tomou pelas maõs, & demoveo a dizer aquellas palavras: que a Sancta Igreja mãda, que se digam em tal Sacramento.Entom disse Missa, & prégaçom, & acabado seu officio tornaram El Rey e a Rainha aos paços,..."..." Enquanto o espaço de cpmer durou, faziam jogos à vista de todos os homens, que o hé sabiam fazer; assi como o trepar em cordas, & tornos de mesa & saltos Real, & outras cousas de sabor; as quaes acabadas alçaram-se todos, & começaram a dançar: & as donas em seu bando cantando arredor com grande prazer. El Rey se foy em tanto pera sua Camara, & depois de cea ao serão o Arcebispo & outros Prelados cô muitas tochas achesas lhe benzerom a cama daquellas bençoens, que a Igreja pera tal auto ordenou, & ficando El rey com sua molher, foram-se os outros pera suas pousadas." Fernão Lopes- Chrón. del Rey D. Joam I, ed. de 1644, prim.parte.pág.226.

Foi ainda na Sé da Invicta que, muitos anos mais tarde, se pregaram e se incitaram as primeiras revoltas contra o exacravel e ignominioso jugo de Castela e foi na verdade, no Pôrto que se originaram os primeiros tumultos e escaramuças.





CAPÍTULO III

Os Bispos do Pôrto



ecorria o século V quando o Império Romano se desmembrou, enfraquecido pelo seu alto grau de corrupção e derrotado nas sangrentas lutas que sustentara contra os Hunos, os Godos e os Visigodos. A única entidade que podia salvar os restos da civilização Romana, caso não sucumbisse tambem, era a Igreja. Foi, na verdade, o que ela fez. Perante esses povos de indole dira que matando e destruindo praticavam os crimes mais monstruosos e ao mesmo tempo satisfaziam as suas brutalissimas paixões, a Igreja soube guardar nos seus mosteiros a instrução e pôde falar aos bárbaros, embora com grande trabalho, nos sentimentos e na sensibilidade humana, mostrara por tôda a parte o que era a moralidade, e, caso estranho, os vencedores das armas, foram vencidos pelas palavras, aceitaram o jugo clerical.

Algum tempo depois a igreja é já poderosa. Os seus Bispos tomam logar entre os grandes senhores, fazem parte do conselho régio e das assembleias das nações. Os reis com humildade pedem ao Papa autorização para casar, os imperadores não podem ser coroados senão pelo Sumo Pontífice. É a Igreja a introduzir-se abusivamente na política dos estados. E os reis iam cedendo sempre. Em pouco tempo, grande parte da Alemanha, da França e da Itália pertencia á classe eclesiástica. Os Bispos tinham os mais altos titulos de nobrêsa, eram condes e duques, possuiam castelos e exércitos; nos seus territórios faziam as leis com arbitrariedade e exerciam a justiça, eram em fim senhores feudais e dos mais favorecidos.

Mas se pelo poder material eles eram temidos e respeitados, outro havia que todos os povos mais receavam em virtude de o julgarem com maior importancia: era a excomunhão, o interdito e o mêdo do inferno; em suma, o poder espiritual. É assim, devido ás penas das " Tartáreas agoas " que os Bispos e os outros eclesiásticos contavam aos crentes traçando-as com as suas terriveis côres, que os reis apavorados e com receio da anátema fatal, enriqueciam a Igreja notoriamente caminhando a largos passos para a sua ruína. Levados pela ambição de maiores riquêsas, aqueles que as deviam repudiar, os padres, praticaram excessos vis e chegaram ao mais extraordinário estado corrupção.

Os Bispos do Pôrto foram no nosso paiz os representantes desses ambiciosos e desses ignominiosos e indignos do elevado nome que possuiam. Cobiçosos foram D. Hugo, D. Martinho Pires, D. Martinho Rodrigues, Julião I, D. Pedro Salvador, D. Vasco Martins, D. Pedro Afonso e D. Afonso Pires; e infames da peor espécie D. Fr. Estevão, D. Fernando Ramires, seu sobrinho, e d. Egídio. N'uma palavra, todos os Bispos que ocuparam o palácio episcopal do Porto durante a primeira dinastia de Portugal foram indignos d'esse logar, excepto um, um apenas, D. João Gomes " um bom homem sem malícia " como disse Rodrigo da Cunha.

Porque razão é que esses Bispos foram assim ambiciosos? Seriam movidos pela índole? É de crer que sim, e é de crer também que essa louca ambição fosse proveniente do poder que eles tinham e que uma Rainha, D. Teresa, insensatamente lhes havia dado. Sim! Os Bispos enquanto possuiram o Castelo do Pôrto lutaram com extrema audácia contra os reis e quando vencidos logo lançavam sobre o monarca a excomunhão e o interdito. Mas os prelados da Invicta sabiam bem que o soberano quando sentia os passos da Morte, levado pelas ideas da época, os chamava e lhes dava tudo o que quizessem contanto que lhe levantassem o anátema evitando-os assim de irem sofrer para o reino de Plutão o castigo do que no mundo haviam praticado...Era o apogeu da Igreja no nosso paiz. E a deposição do rei D. Sancho I é uma das mais flagrantes provas desse poder clerical.

Mas passados lustros, os povos foram perdendo o mêdo da excomunhão e o Bispo, vendo ser inuteis as armas espirituais dedicaram-se ao que sempre se deviam ter consagrado; construiram mosteiros, igrejas, etc,fizeram reformas nas obras já prontas, em fim, chegaram ao ponto donde tinham por obrigação ter partido. Foi quasi o que fizeram os do Pôrto, quasi por, que no seu sangue pulsava ainda o germen da discórdia e da cúbiça.

Segundo o " Catálogo dos Bispos do Pôrto " de Rodrigo da Cunha foram, desde a fundação, 61 os Bispos da Diocese portuense:

Basilio - Santo e Martir. Foi discipulo de S. Tiago e condiscípulo de S. Pedro de Rates. Em honra dêste diz-se ter erigido a Igreja de S.Pedro de Miragaia que é das mais antigas do Bispado do Pôrto.

Arisberto

Timotheo - que parece ter tomado parte no Concílio de Braga no século VI;

Constâncio - segundo o padre Rebelo da Costa teria sido êste o primeiro Bispo do Pôrto e portanto o instituidor da Diocese;

Argiovitro - Argeberto - Ansíullo - Uzibelo - Flávio - Froarico- Felis - Gumeado - Froalengo e Hermógio - todos estes prelados tiveram pouca importancia;

D. Sesnando - um dos chefes da armada de Gascões que desembarcou no Douro;

D. Hugo - de origem francêsa foi muito estimado pelo Conde D. Henrique e a Rainha D. Terêsa. Foi o primeiro senhor do Castelo do Pôrt a que deu foral;

D. João Peculiar I - que mais tarde foi Arcebispo de Braga;

D. Pedro I - de grande valor;

D. Pedro Pitões II - D. Pedro Senior III e D. Fernando Martins I - pouco conhecidos;

D. Martinho Pires I ( de 1185 a 1189 ) foi com este Bispo que se começaram as lutas entre o  rei e o clero;

D. Martinho Rodrigues II - quando o principe D. Afonso ( mais tarde Afonso II ) casou foi este o único prelado português que não compareceu e declarou ser esse casamento ilegal. Quando o rei foi ao Pôrto, D. Martinho não o foi receber. Era a guerra declarada.  Irritado, o Monarca mandou-o prender. Logo a excomunhão foi lançada sobre o rei. D. Martinho era enérgico mas D. Sancho I ainda mais e só á hora da Morte foi levantado o anátema, depois de audaciosamente defrontar as iras pontifícias.

D. Julião I

D. Pedro Salvador IV - um dos fundadores do Convento de S. Domingos;

D. Julião II - Dom Vicente - D. Sancho Pires e D. Giraldo Domingues

D. Fr. Estevão - foi Religioso de S. Francisco dos menores e Bispo de Lisboa, Valido do Rei D. Dinis ele espalhou a discórdia na côrte e principalmente entre o monarca e o infante D. Afonso.

D. Fernando Ramires II - sobrinho do precedente ele foi o seu acólito;

D. João Gomes II - foi este por certo o mais honrado dos Bispos do Pôrto;

D. Vasco Martins

D. Pedro Afonso V - pôde-se dizer que foi com este Bispo que começou o interdito que só veio a acabar com D. Gil;

D. Afonso Pires - êste prelado continuou a luta contra a realêsa;

D. Egídio - chicoteado por D. Pedro I em virtude dos seus amores de mancebia;

D. João III

D. João de Azambuja IV - foi Arcebispo de Lisboa e Cardeal;

D, Gil - D. João Afonso AranhaV

D. Fernando da Guerra III - foi quem lançou a primeira pedra para a fundação da Igreja do Convento de Santa Clara. Mais tarde foi Arcebispo de Braga;

D.Vasco II - D. Antão Martins de Chaves - D. Gonçaleanes de Óbidos - D. Luiz Pires - D. João de Azevedo VI

D. Diogo de Sousa I - que foi Arcebispo de Braga;

D. Diogo da Costa II - D. Pedro da Costa VI

D. Fr. Baltesar Limpo - religioso das Carmelitas Caldas que depois foi Arcebispo de Braga;

D. Rodrigo Pinheiro I - foi um dos fundadores do Colegio de S. Lourenço dos Padres da  Companhia de Jesus;

D. Ayres da Silva - Dom Simão Pereira de Sá

D. Fr Marcos de Lisboa - foi Religiosos da Ordem de S. Francisco. Morreu em 1591;

D. Jerónimo de Meneses

D. Fr. Gonçalo de Moraes - Religioso da Ordem de S. Bento e grande reformador da Sé do   Porto;

D. Rodrigo da Cunha II - autor do " Catálogo da vida dos Bispos do Pôrto ";

D. Nicolau Monteiro - foi prior da Colegiada de Cedofeita e Mestre dos Reis, nasceu n'esta  cidade;

.....rreia de Lacerda - que renunciou ao bispado em favor de ....Sousa IV, que também foi Arcebispo de Braga;

..... de Saldanha - religioso Capucho da Provincia de santo António; foi Bispo da Madeira e fundou, no logar do Calvário, o Mosteiro de Santa Terêsa.

Neste relatório dos Bispos do Pôrto estão incluidos os que ocuparam esse elevado cargo, até ao princípio do século XVIII.

(Nota: a última página do manuscrito encontra-se danificada no canto superior esquerdo, pelo que afecta o início das linhas 2,3,4,9 e 10 ).








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