SOBRE
O PORTO
Na minha biblioteca, na secção dedicada à Cidade do Porto, possuo
desde há alguns anos um curioso manuscrito, que adquiri num conhecido
alfarrabista, de Lisboa, por muito bom preço.
Não sendo a minha especialidade, mas apesar de algum esforço ao
longo dos tempos nesse sentido, nunca consegui informações sobre o seu Autor.
Algures nas minhas pesquisas, fiquei com a impressão de que se
tratará de alguém que colaborou numa fase inicial da conhecida revista " O
Tripeiro ", eventualmente como gravador.
Trata-se de Fernando da Silva Carvalho Lima, e, com efeito, este
manuscrito que consta de 20 folhas, em papel pautado, contem 8 desenhos a
tinta-da-china, de fino traço, característico de um bom desenhador. Estes são
complementados com duas gravuras de Lemaitre, uma representando um guerreiro da
Península do século XI, legendada em Francês e Castelhano, e, uma outra sobre o
Porto.
O manuscrito encontra-se encadernado, cozido, com capas em cuja
lombada aparece o título " A Lanterna - 1910 ".
O texto, com muitas citações extraídas de conhecidas obras sobre o
Porto, para além dos muitos erros ortográficos que contêm, parece-me de fraca
qualidade.
Ao divulgá-lo através da Internet, viso que eventualmente possa vir
a ser lido por alguém que saiba algo sobre o seu Autor, e me dê conhecimento do
facto, o que desde já agradeço.
Um outro documento possuo, de Autor não identificado, cujo título é
" Igrejas e Capellas da Freguezia da Se ", eventualmente escrito
entre os anos 1855 e 1859, o qual divulgo.
de Fernando da Silva Carvalho Lima
.................................................................
Sobre
a collina onde a cidade dorme,
destaca,
ao longe o escuro vulto enorme
D' antiga
Cathedral;
Fica-lhe
ao lado a sucursal do inferno,
- Velho epigrama ao lúgubre edifício,
-
Largo covil doirado, aberto ao vício,-
O Paço Episcopal....
(
Guilherme Braga )
Este
pequeno e despretencioso trabalho sobre a Sé do Porto não tem por fim
mostrara conhecimentos e erudição, mas sim descrever embora sumariamente essa
gloriosa Catedral que é das mais antigas do nosso Paiz, para que os Portuguêses
conheçam os monumentos que a sua pátria encerra o que por infelicidade não tem
sucedido.
Ele tem
por fim também levantar, se ainda mais é possível, o nome querido da "
Antiga, muito nobre, e sempre leal e Invicta cidade do Porto"
( assinatura
legível do Autor )
CAPÍTULO I
A Lusitânia, que tantas vezes patenteara o seu valor, conseguindo
destroçar as mais numerosas e esforçadas legiões Romanas, causando a admiração
do próprio inimigo, essa terra de herois que só fora vencida por abjectas
traições, foi quasi sem custo completamente subjugada pelos Álanos. A Lusitânia,
que tantas vezes se revoltára contra o poder de Roma, quando já sujeita a ele,
depois de conquistada pelos Álanos, pouco ou nada reagiu. Por que motivo se
operou esta lastimavel transformação no ânimo belicoso dos Lusitanos? É um
problema de dificil resolução, mas que por certo deve ter a sua base no imbele
estado moral e social do povo Romano.
Tempos após a invasão, foi a Península dividida pelos vencedores,
que já começavam a redificar muitas das cidades que tinham destruído. É assim
que os Álanos, como já vimos, ficaram com a Lusitânia. Os Vândalos
apoderaram-se da Bética e os Suevos estabeleceram-se na Galisa.
Mas a paz, entre êstes povos que se haviam unido para a conquista,
era impossivel. Gunderico, Hermenerico e Ataces (sucessor de Resplandiano )
eram trez reis fortes, e todos, vencedores; como sempre foi e será, a ambição
de maior poder, tornou-os rivais. Ataces, que era de entre eles certamente o
mais ambicioso e mesmo o mais forte, esperava a cada momento um ensejo para
romper as hostilidades com os Suevos e os Vândalos, a fim de alcançar o
almejado intento, que quasi veio a realisar: ser senhor de toda a Hespanha.
Mais cedo talvez do que julgava, a ocasião se proporcionou--
Hermenerico tinha-se apoderado de algumas cidades para o sul do Douro, sitas
portanto no território dos Álanos. Sabedor disto, Ataces, reunindo o seu
numeroso exercito, correu a impedir os passos dos Suevos. Após algumas batalhas
em que a vitória quasi sempre sorriu aos Álanos, Hermenerico aliou-se com os
Vândalos, julgando poder assim derrotar o seu perigoso e valente inimigo; mas a
caprichosa vitória, continuou a ser companheira deAtaces e o exercito Suevo-
Vândalo foi copiosamente batido, se não desbaratado, n' um sangrento combate
travado junto dos muros da cidade de Coimbra. Gunderico pereceu quando
batalhava.
Em virtude do tratado de paz feito entre Ataces e Ermérico, foi
este coagido a dar em casamento, ao rei Suevo, a sua filha Cindasunda. Porém
então, a concórdia entre os vencedores e os vencidos era mais do que nunca
impossivel, quer pela situação dos Suevos e dos Vândalos, quer pela demasiada
pressão e autoridade que sobre eles Ataces exercia; e é por estas duas causas,
principalmente pela última que os Suevos e os Vândalos, unidos os exércitos,
renovaram a guerra com os Álanos. É por essa ocasião, que Ataces, morre n' uma
batalha junto de Mérida, quando combatia. Após a sua morte, Hermenerico, tendo
dominado os Álanos e tendo conseguido expulsar os Vândalos, seus aliados, para
o norte de África, ficou senhor único da Hespanha.
Convem agora voltarmos atraz: cêrca de um ano depois da batalha de
Coimbra, a que já nos referimos. Ermérico que se acolhêra com os Suevos nas
margens do Douro, mandou construir ao norte dêste rio, num alto monte, um
castelo: é o do Porto. Defronte dele, na outra margem, existia uma povoação
muito antiga chamada Cela: é a actual Vila Nova de Gaia.
Eis a transcrição d' uma interessante passagem da " Monarchia
Lusitana " de Fr. Bernardo Brito:
"Outra antiguidade pouco vulgar se collige tambem do Concilio
que he a nova fundação da cidade do Porto no sitio em que agora está da outra
parte do Douro, pois claramente faz distinção entre a cidade do Porto antiga
(que como vimos na primeira parte desta obra foi fundada por Gregos e Floreces
em tempo de Romanos) e a presente que os Suevos edificaram no logar em que
agora está e puserão nella a Igreja Cathedral, e toda a dignidade e
preeminencia que teve a primeira, situada (como algumas vezes tenho dito) onde
agora vemos as ruinas de Gaya"...." e não só diferião em tempo, sítio
e povoadores, mas inda no nome: porque a esta presente puzerão os Suevos nome
Festabole como se vê na divisão dos Arcebispados d' El - Rey Wamba, onde
nomeando os que hão de ser sogeitos a Braga diz : Festabole, nel Portugale, Festabole,
que por outro nome se diz Portugal, e Grcia de Loisa nas Anotações do Concilio
de Lugo diz: Portugale, Festabole, quoque appellabatur, que o Porto se chamava
tambem Festabole que em lingoa Sueva tanto val como Praia Nova ou Porto Chão, o
que seria diferença da povoação antiga que estava em logar mais alto e de peor
serventia que a presente."
O Concilio de que Fr. Bernardo de Brito fala na sua crónica é o de
Lugo, que se realisou em 569 e do qual falaremos mais detalhadamente d'aqui a
alguns instantes. Diz o monge Cisterciense que --:"outra antiguidade pouco
vulgar se collige tambem do concilio que he a nova fundação da cidade do Porto
no sitio em que agora está da outra parte do Douro,..."-- convem contudo
saber que quando êste Concilio se realisou, já a cidade do Porto se erguia na
margem direita do Douro à perto de século e meio, isto é, desde cêrca de 417.
Torna-se agora necessário saber alguma cousa dos antecedentes
dêste Concilio.
Os Álanos, os Vândalos e os Suevos, reunidos já sob o poder
d'êstes, eram povos acentuadamente pagãos. É só no reinado de Teodomiro, nos
meados do séc. VI, que os Suevos, abraçam a religião católica, segundo alguns
autores devido a um milagre de S. Martinho, Bispo de Turon. A fé, estava em
princípio na nossa Península, mas, como sucede a tudo o que é novo, era tal o
entusiasmo por ela, que logo em toda a parte surgiram igrejas, como por
encanto. Teodomiro, pouco tempo após o estabelecimento do catolicismo nos seus
estados, sendo Papa Honório I, reuniu em Braga um Concilio ao qual assistiram
os seguintes Bispos: Lucrécio de Braga, André de Iriaflávia, Martinho de Dume,
Nucêncio de Coimbra e mais quatro que não se sabe a que comarca pertenceriam:
Cotto, Hilderico, Melioro e Timotheo. Temos fortes razões para crer que êste último
era o de Portucale, tanto mais que por essa ocasião houve n'esta cidade um
Bispo que teve o nome de Timotheo.
Mas de todos os Concilios então levados a efeito, aquele que maior
interesse tem para este caso é o de Lugo, que se realizou no dia 1 de Janeiro
do ano de 569, ainda quando reinava Teodomiro. Por meio d'êste Concilio, como
diz o célebre monge Cisterciense, se sabe que -- " puserão nella ( cidade
do Porto nova ) a Igreja Cathedral, e toda a dignidade e preeminencia que teve
a primeira, situado ( como algumas vezes tenho dito ) onde agora vemos as
ruinas de Gaya...". Esta passagem é de capital importância, pois é por ela
que se sabe ter-se erigido na cidade do Porto, uma Igreja Catedral, o que é de
grande valor para o assunto de que estamos a tratar. Uma das clausulas do
Concilio de Lugo, a que se refere ao Porto é tambem de cabal conveniência
transcrever:
" 3: A Igreja Cathedral do Porto que está edificada no
castelo novo dos Suevos tenha as Igrejas qye estão em sua comarca, convem a
saber: Vila Nova, Betoania, Visea, Menturio, Forebia, Bramuste, Pangaoste,
Lumbo, Nestes, Napolles, Carmano, Magneto, Leporeto, Melga, Tangabria,
Villagomede, Tanuata. Alem disto os lugares de Lambrencio, Aliobrio, Valericia,
Turlango, Ceras, Mendosas e Palencia que são vinte e cinco Igrejas súbditas a
uma. " De todos estes templos, cremos não existir nenhum actualmente.
Pouco tempo após o Concílio de Lugo, os Suevos que já tinham
sustentado enumeras lutas com os Visigodos, que então obedeciam a Leovigildo,
foram vencidos e dominados por eles. É natural que durante as batalhas travadas
entre êstes dois povos e mesmo depois de alcançada a completa sujeição dos
Suevos, o Porto tivesse padecido as consequências dessas guerras, pode mesmo
ser que a Igreja Cathedral tivesse sofrido alguma cousa, tanto mais que quando
os Suevos foram incorporados no reino dos Visigodos ainda êstes não se tinham
cristianisado, facto que só no reinado de Recáredo, sucessor de Leovigildo, se
veio a realizar.
Cêrca do ano de 716, foi o Porto, não subjugado como o fôra pelos
Visigodos, mas sim por completo destruido pelos Mussulmanos, que na ansia da
conquista, devastaram as cidades por onde passavam, deixando sempre o
caracteristico rasto de ruina e destruição. Foi assim que a Igreja Cathedral do
Porto ficou totalmente demolida. Dela já nada resta hoje, e é só a varios
escritos que devemos saber que os Suevos outrora fundaram uma Cathedral, na
capital do Norte do nosso paiz.
Mais tarde, em 820 foi o Porto libertado do jugo dos infieis por
D. Afonso I, ilustre descendente de Pelagio, mas alguns anos depois caiu de
novo em poder dos Mussulmanos, que eram comandados por Almansor, o mais cruel e
valente general do rei de Córdova.
Nos fins do século X, uma armada de Gascões que vinham tentar
fortuna, por meio da guerra contra os Mouros, na Península Ibérica, ancorou nas
margens do Rio Douro. D. Nónego bispo de Vandôme que renunciara esse elevado
acrgo para vir lutar contra os Maometanos, D. Moninho Viegas, avô do conhecido
aio do nosso primeiro rei, e D. Sisnando irmão do precedente e que veio a ser
bispo do Porto, eram os seus chefes.
Como após o desembarque tivessem visto completamente despovoado e
em ruina aquele logar tão agradável que fora Festabole, começaram logo a
edificar aí uma cidade muito bem fortificada, a fim de melhor poderem expulsar
os infieis, dos arredores, e mesmo alargarem as conquistas para o interior
tanto quanto fosse possivel. Algum tempo depois, erguia-se n'aquele esplêndido
local, uma cidade com grandes muralhas e torres, pronta a suportar os ataques
por vezes imprevistos do inimigo. A Igreja Cathedral foi também reedificada. D.
Nónego, que trouxera de França, como recordação, uma imagem de Nossa Senhora de
Vandôme, mandou construir por detraz da Sé um arco e n'ele colocou a dita imagem,
que ficou sendo a padroeira do Porto e que figurou como ainda hoje figura no
brasão da Invicta.
O Arco de Vandôme, foi destruido nos meados do século passado.
Dizem ter sido os melhoramentos, a causa dessa demolição, que sobremaneira
mostra a índole dos Portuguêses; destruir as cousas de valor para se construir
ninharias e quando se poder...Sempre assim fomos e assim serêmos sempre, porque
no nosso paiz só uma pequena quantidade de pessoas tem noção do respeito e da
admiração que se deve ter para com as cousas, qu, como o Arco de Vandôme, teem
visto nascer e mprrer um grande número de gerações. Do mesmo modo também em
Portugal, os monumentos históricos são despresados, abandonados e ás vezes
derruem vítimas do tempo, dos elementos da naturêsa ou do homem, como está a
suceder hoje, com as vetustas muralhas do Porto.
Alguns anos depois, D. Moninho Viegas, prestou vassalagem ao rei
de Leão D. Afonso V que contente pelas proezas do nobre Gascão o fez governador
da cidade que edificara, dos terrenos que havia conquistado aos Mussulmanos e
d'aqueles que no futuro viesse a conquistar.
No ano de 1092, ou segundo alguns autores, no de 1095, o Conde D.
Henrique e sua mulher " Donna Tarasia Regina ", tomaram posse do
Porto e de todos os territórios que juntamente com
(Reprodução de gravura de Lemaitre intitulada " Guerriers de la Peninsule au XI Siécle" e subtitulada " Guerreros de la Peninsula en el Siglo XI " )
esta cidade formavam o condado de Portugal ( Ego Comes Domnus
Hennrhicus una pariter cum Conjugia mea nomine Tarasia prolis Adefonsi
Principus totius Espanie...-- Ego Henricus Comes, et uncor mea Tarasia...-- Ego
Henricus Dei Gratia Comes, et totius Portugalis Dominus...)
Por várias vezes êstes dois soberanos residiram no Porto. N'uma
dessas ocasiões como tivessem visto a lastimável e ruinosa situação em que se
encontrava a Igreja Catedral, o Conde D. Henrique e a raínha D. Terêsa movidos
pela fé que em tantas conjunturas tinham patenteado e que era então por assim
dizer a única cousa que mais estimulava os ânimos de todos os cristãos à
prática das maiores aventuras e trabalhos, resolveram reconstrui-la desde os
alicerces. No princípio do século XII, em 1108 ou 1109 deu-se início à obra. O
acabamento porem só muito tarde o veio a ter já em pleno Reinado de D. Afonso
Henriques, que conduzido pela mesma estrêla coruscante da fé, cuidou com
desvêlo esse trabalho de reedificação. A Rainha D. Mafalda concorreu também com
grandes e importantes quantias. Não se pode contudo precisar o ano em que a Sé
ficou concluida e em que foi sagrada com os costumados ritos, por D. Bernardo,
arcebispo de Toledo.Ainda menos se sabe quem foi o arquiteto, português ou
estrangeiro, que delineou o traçado da sua construção.
Em 18 de Abril de 1120 a Rainha D. Terêsa doou " o castelo do
Porto, com pertences e rendimentos e com algumas egrejas, ao bispo do Porto,
oriundo de França, Hugo, a quem era muito afeiçoada.Tres annos depois o bispo
confere um foral ao burgo, ( 14 de Julho de 1123 ) em que fixava as taxas e
censos que os habitantes haviam de sstisfazer ao novo senhor. Os quatro
primeiros sucessores de Hugo confirmaram similhante foral, fortificaram e
ampliaram os direitos de senhorio sobre os habitantes, engrandecendo
continuamente suas propriedades." Esta doação da esposa do Conde D.
henrique foi em 1200 confirmada por D. Sancho I.
Alguns anos antes D. Terêsa tinha mandado construir no Porto um
magnifico palacio que comunicava com a Sé por meio de umas escadas ainda hoje
conhecidas pelo nome tradicional de " Escadas da Raínha ". Era por
meio d'elas que a Raínha com a sua comitiva se dirigia para a Catedral.
CAPÍTULO II
Sumária
descrição da Sé
A fim de melhor se vêr a superfície e o sítio que outrora ocupou a
cidade do Pôrto traçaremos em poucas palavras os seus limites no tempo de D.
Pedro I, indicando o caminho que seguia a muralha (1) do Porto:
Tinha o principio na Porta Nova ou Porta Nobre, a mais importante
de todas, dirigindo-se para nascente até à Ribeira. Entre estes logares
existiam as Portas de Banhos, da Lingueta e do Peixe.
(1) D. Afonso IV foi o rei que poz hombros à magistral empresa da
fortificação da Invicta , consignando rendas para esse melhoramento que há
muitos anos já, urgia que se fizesse, e tendo ordenado que todos os indivíduos
dos julgados visinhos fossem obrigados a contribuir para aquela obra ou com
materiais e dinheiro ou com o trabalho durante um prefixo número de dias. A
construção da muralha principiou pois no reinado de D. Afonso IV e prolongou-se
até ao de D. Fernando, tempo em que se fechou o circuito, mas só foi acabada
nos primeiros anos do século XV. Como se vê foi devido ao seu trabalho e
dinheiro que o Porto viu erguer-se do granito umas preciosas muralhas que lhe
serviram de defêsa. Esse baluarte que tinha quasi uma légua de extensão possuia
uma enorme quantidade de torres quadradas geralmente 3 m mais altas do que ela,
que em regra tinha de altura 9 m. As torres de Cima de Vila e Olival tinham
porem o dôbro da altura da muralha. Estafortificação era ainda provida de uma
grande abundancia de Portas que ligavam o interior da Cidade com o exterior.
Presentemente já pouco existe desse glorioso monumento, obra de tantas
recordações, de tanto apreço histórico e mesmo arquitetónico. Há apenas um
pequeno resto em constante ameaço de destruição que nem sequer está em poder de
quem o devia possuir: a Câmara Municipal. Há apenas uma minuscula parte do
antigo muro que sem o amparo de que necessita será certamente, e em breve,
demolido por mãos iníquas, antiportuenses e antipatriotas. Oxalá porem que tal
não suceda e que o Porto orgulhoso dos seus trabalhos, como sempre tem mostrado
ser, saiba proteger com extremado afecto e zelo aqueles pedaços de muralha que
assistiram a tantas provas do patriotismo portuense e a muitos factos
históricos até agora desconhecidos que eles narrariam se podessem falar.Mas
para que assim seja é preciso que haja Portuenses que saibam compreender que
aquela muralha, velha " crónica de pedra " como diria Passos Manoel
se serviu outrora de defêsa ao Porto e se hoje é inútil para tal, ela é ,
contudo, um dos mais belos e tradicionais padrões das prístinas glórias da
" antiga, muito nobre, sempre leal e Invicta Cidade ".
Da Ribeira subindo o monte chegava à Porta do Sol de onde se
dirigia para a de Cima de Vila ou da Batalh; d'aqui a descer alcançava Carros
cuja Porta foi aberta no reinado de D. Manoel. Em seguida aquele grande
baluarte encaminhava-se para a Porta de santo Eloy; d'esta a subir de novo
atingia o Olival (2) que ficava próximo do Jardim da Cordoaria. Esta última
parte da muralha compreendida entre a Porta de Carros e a do Olival abateu em
1529 tendo sido " sine mora " reedificada por ordem de D. Manoel. Do
Olival descendo até á Porta das Virtudes e á da Esperança ia fechar o circuito
na Porta Nobre. Como se depreende desta pequena e resumida descrição da muralha
do Porto, a cidade da Virgem era no reinado de D. Pedro I aproximadamente a trigéssima
parte da actual.
A Sé erguida como hoje no monte a que deu o nome dominava então
toda a cidade. Ela tem na sua frente a Rua da Banharia ( 3) e nas trazeiras a
Travessa da Sé. Cercam-na tambem mais algumas pequenas ruas. Na fotografia do
Porto que aqui inserimos vê-se bem a Igreja Catedral com as suas torres e á
direita o palácio do Bispo.
Referindo-se á Sé escreveu algures o sr. J. de Vasconcelos: "
Algumas terras como Coimbra, Lisboa, Évora repartem as honras que competem ás
suas catedrais com outros templos não menos célebres dentro da mesma cidade.
Contudo o Porto só possui uma Sé, uma grande e veneranda avó,
porque os outros templos, aliás notaveis como S. Bento da Vitória, Santo
Agostinho, os Grillos, são repetição do mesmo typo severo, mas pouco
original.".
Diz o sr. J. de Vasconcelos que o Porto só possui uma Sé o que dá
a entender que qualquer das trez cidades por ele mencionadas antes teem duas ou
trez ou quatro,etc. Coimbra, na verdade tem a Sé Velha e a Nova, mas Lisboa e
Évora só possuem uma. Diz ainda o sr. Vasconcelos que essas cidades repartem as
honras que competem ás suas catedrais com outros templos não menos célebres, o
que não sucede com o Porto. Cremos que o sr. J. de Vasconcelos elabora n'um
erro pois não nos consta que haja em Lisboa um templo " não menos célebre
" do que a Igreja Catedral; o mesmo sucede em Coimbra. E enquanto n'estas
cidades as Sés se sobrepôem nitidamente a todos os outros templos no Porto um
há que se impõe pela sua antiguidade e valor, é a Igreja de S. Martinho de
Cedofeita que, segundo dizem, foi fundada por Teodomiro rei dos Suevos e
dedicada a S. Martinho de Tours. Mas estamos convencidos de que isto foi um
simples acto impensado de que o sr. J. de Vasconcelos mais adiante se resgata
d'uma maneira perfeita e conscenciosa indicando o que resta hoje da Sé fundada
pelo Conde D. Henrique e a Rainha D. Terêsa, ou seja, da construção do século
XII:
(2) A Alamêda do Olival foi construida em 1611 á custa do imposto
de vinho; era guardada por quatro homens cujo soldo de oito mil reis anuais
provinha tambem do dito imposto.
( 3 ) Por longo tempo se discutiu o nome desta rua. Alguns autores
dizem ser ' Banharia ' porque outrora, segundo afirmam, aí existiu uma casa de
banhos; outros porem dizem que deve ser ' Baínharia ' em virtude de ter havido
lá uma fabrica de baínhas. Inclinamos-nos para esta solução do problema apezar
do nome oficialmente dado pela Camara Municipal ser de Banharia.
( Gravura de Lamaitre intitulada
" Porto " )
"...há porem um núcleo antigo, do qual temos de partir para a
nossa viagem archeológica atravez das naves. É o cruzeiro coroado de ameias,
românico ainda em parte da ornamentação por exemplo na faixa enxaquetada, que
cinge o primeiro terco da estructura. Este núcleo foi talhado segundo a planta
da Sé Velha de Coimbra! As torres são antigas sómente até á parte marcada com
uma cinta de esferas ( um terço da altura actual aproximadamente).
Tal como o cruzeiro se apresenta hoje exteriormente, coroado de
ameias, assim se apresentavam na primitiva as longas linhas paralelas da grande
nave e as torres quadradas que agora terminam n'uma varanda de balaustres (
século XVIII ) e projectam para o céu umas cupulas achatadas, em feitio de
cebola, que fizeram acreditar um artificio mourisco! ( sic ). Seria sómente por
serem achatadas, com uma vaga semelhança de turbante? Não sei.
Um friso de modilhões, muito simples, amparava o beiral da nave
mestra e do cruzeiro; neste ainda estão visiveis e bem conservados. É de crêr
que a torre lanterneta quadrada, assente na intersecção da nave e do cruzeiro
represente uma idea do plano primitivo; as ameias e outros detalhes da
lanterneta parecem indicar o século XVII. A factura é de alvenaria ligeira,
reforçada com cantaria nos 4 arcos grandes, góthicos, distribuidores da
luz.".
Além disto há tambem da antiga construção alguns arcos
acentuadamente Românicos situados em dependencias escuras que estão em obras
como quasi toda a Igreja.
O frontispício é já muito mais moderno. O Pórtico principal foi
edificado pelo Cabido da Sé, sede vacante, segundo alguns autores em 1722 e
segundo outros no ano de 1717; mas seja como fôr é com toda certeza do primeiro
quartel do século XVIII. A Rosácea, grande e muito ornamentada assim
como que
sob ela se encontra com as caracteristicas figuras de anjos indica - nos
claramente e sem duvida, nem erro possivel o estilo de D. Pedro II.
A Sé do Pôrto que, como disse o erudito padre António Carvalho da
Costa: " póde competir com os melhores Templos de Espanha " é na parte
interior bastante espaçosa e contem trez largas naves separadas por duas filas
de colunatas; possui 18 capelas e altares de grande vâlor.
De entre todas a Capela - Mór é com certeza a de maior
importancia; foi por ordem do celebre Bispo D. Fr. Gonçalo de Moraes, religioso
da Ordem de S. Bento, começada a construir inteiramente de novo, e acabada, no
ano de 1609, em sede vacante, junto com o côro. Ela é sine dubitatione uma
das mais notaveis de Portugal e mesmo da Peninsula. Está separada da Igreja por
uma grade de bronze lavrado que tem um belissimo corrimão de mármore preto. O
pavimento é tambem de mármore mas encarnado e branco, com o feitio de xadrêz.
Os corpos dos santos e mártires Pacífico e Aurélio estão colocados proximo da
Capela - Mór; o primeiro do lado do Evangelho e o segundo do lado da Epístola.
A Capela do Santissimo Sacramento construida em 1712 e muito
conhecida, é da mesma maneira bastante rica; possui uma banqueta e sete
lampadas de prata; o altar, o sacrário, o retábulo, o docel e o frontal são de
prata batida mui bem trabalhada, e, em relêvo, tem alguns passos da Bíblia com
alusões à vida de Jesus Cristo. À esquerda d'esta capela ergue-se o rico altar
de Nossa Senhora da Silva cuja imagem afirmam ter sido encontrada entre
silvados, quando, sendo Bispo do Porto D. Hugo, se abriam os alicerces para a
construção da Sé. Esta imagem que é de elevada estatura, era por assim dizer, a
patrona da piedosa Rainha D. Mafalda que quando morreu lhe legou quasi todos os
seus vestidos e joias. Diz-se tambem que a imagem do Senhor de Alem que está no
altar do seu nome foi encontrada na serra do Pilar em 1139. Goza dos mesmos
privilégios do altar de Nossa Senhora da Silva, por estar em idênticas
condições e tem por cima um belo quadro a óleo que representa S. Pedro a
receber as chaves das mãos de Cristo. São estes os principais altares.
É tambem digno de menção o actual baptistério da Sé, todo de
bronze, e que foi feito pelo grande artista Teixeira Lopes, pai.
Na Sacristia estão algumas cousas de valor como por exemplo,
alfaias de grande antiguidade, muitas peças de egreja e um painel de Nossa
Senhora que dizer uma das geniais criações de Rafael.
Se estas duas partes da Catedral do Pôrto, sobretudo a primeira,
teem grande importancia, outra há que a elas se pode comparar, é a do Claustro,
de que resumida e concisamente vamos falar.
O Claustro da Sé do Pôrto é dos mais característicos e puros
especimens do estilo gótico no nosso paiz. Foi começado a construir em 1385
pelo Bispo D. João III. A Câmara Municipal da Invicta como se depreende de um
documento que existe no seu Cartório deu para esta obra 1000 pedras lavradas
como recompensa do grande número de benefícios prestados à cidade por este
Bispo.
O Claustro está situado no lado sul da Catedral e um dos seus lanços
está encostado á Igreja com a qual comunica por meio de duas portas. É quadrado
e os seus lances são constituidos por quatro arcadas que por sua vez se dividem
em trez arcos que são sustentados por colunas duplas excepto no lanço que corre
a par da Igreja; nêste as duas arcadas do centro são abertas a fim de
estabelecerem mais facilmente a comunicação entre a parte interior e a
exterior. A meio desta ergue-se uma cruz latina que foi mandada construir em
1609 pelo Bispo D. Fr. Gonçalo de Moraes, Religioso da Ordem de S. Bento que
durante esse fez não só muitas e importantes reformas mas tambem uma enormidade
de melhoramentos.
Na parte superior das arcadas abre-se um óculo em chanfro. No
interior, as galerias estão cobertas por abóbadas de pedra, com artesões que
vão pousar entre as arcadas e sobre os pilares a que estão adussadas cinco
colunas. Nos lances há algumas portas já reconstruidas que comunicam com a
sacristia, com o antigo claustro que era pequeno e imperfeito, com a galeria
superior, etc. Um desses lanços está em contacto com quatro capelas das quais,
uma, a de Nossa Senhora da Saúde que foi mandada construir por D. Gonçalo de
Moraes ou talvez por D. marcos de Lisboa, é a mais importante; n'ela é que se
encontra o carneiro para jazigo dos Bispos.As paredes desta capela estão
revestidas de azulejos, com desenhos que descrevem vários passos da Sagrada
escritura.
SÕbre o lance que corre a par da Igreja, há um pequeno terraço com
varanda, e sobre os outros existe uma galeria cujo této lavrado com pinturas é
sustido por algumas colunas Dóricas. Estas galerias superiores e a varanda
foram feitas no princípio do século XVII sendo Bispo do Pôrto o Religioso da
Ordem de S. Bento, D. Fr. Gonçalo de Moraes.
Descrita a Sé resta-nos apenas, n'este capítulo falarmos d'uma
sepultura qye ela possui e do desaparecido cofre de S. Pantaleão.
Essa sepultura, em que repousa D. Martim Mendes Paes foi doada á
Catedral do Porto por D. Branca Paes no ano de 1317. É de estatua jacente como
as da Sé de Lisboa, a de Leça de Bailio, etc. A Cabeça da figura que por certo
pretende representar o morto, esta deitada n'uma almofada; o naris é perfeito,
os cabelos são um pouco anelados a barba aportada e o bigode a ela unido. As
mãos juntam-se sobre o estômago. Cobre-lhe o corpo e a nuca um longo manto
cujas pregas estão feitas com extrema naturalidade. O contrário sucede com a
estátua jacente de Leça de Bailio: a cabeça assenta n'uma almofada que deve ser
muito dura pois não verga ao seu pêso; as pregas do hábito são ríspidas e caiem
d'uma maneira forçada. Mas voltemos á do Pôrto.
Uma das partes laterais da área sepulcral está dividida em treze
pequenos nichos de estilo gótico, separados por duas colunas simples e coroados
por um arco trilobado. No nicho central encontra-se uma imagem que representa
Cristo e nos restantes outras figuras que facilmente se compreende serem os
apóstolos: é a Ceia do Senhor.
O Cofre de S. Pantaleão segundo Damião de Goes diz na sua "
Chrónica d' El-Rey D. Manoel " teria sido mandado construir por este monarca.Outros
autores julgam que quando o soberano " Venturoso " foi eleito rei já
o trabalho do Cofre ia deveras adiantado. Porem a nós várias razões nos levam a
crer que quando D. Manoel subiu ao trono estava apenas traçado, pelo seu
antecessor, o plano da construção. O prórpio Cofre assim nos faz pensar: no
lado esquerdo vêem-se as armas de D. manoel que por engano teem 13 castelos e
do direito o pelicano, célebre emblêma de D. Jão II.
( Segue-se
desenho a tinta da China ,a página inteira, do Cofre de S. Pantaleão, realizado
pelo A. )
No livro " A Arte Portuguêsa " encontra-se uma sumária
descrição da vida de S. Pantaleão, patrono do Pôrto.
Após a tomada de Constantinopla pelos Turcos, alguns gregos
cristãos trouxeram para Portugal o corpo de S. Pantaleão dentro d'um sepulcro
de pedra que ficou depositado na Igreja de S. Pedro de Miragaia. Trinta e seis
anos depois, isto é em 1499 o Bispo do Pôrto D. Diogo de Sousa fê-lo
transportar para a Sé: " no próprio sepulcro em que vierão ( as reliquias
), que hoje serve de altar na capela do Santissimo Sacramento, e se meterão em
huma arca chapada de laminas de prata, que El-Rey D. João o segundo mandou em
seu testamento se fizesse, para depósito das sagradas relíquias
"....." a qual arca vindo El- Rey D. manoel em romaria"..."
passando por esta cidade no fim do ano de 1502 mandou se fizesse, e acabasse,
no modo que El-Rey D. João tinha ordenado" Cardoso - Agiologia vol.IV.
O cofre era composto de uma caixa, coberta por uma pirâmide
truncada em cujas extremidades estavam dois anjos e cujas arestas eram
ornamentadas com trifólios. Na base distinguiam facilmente as folhas de acanto.
Os cardos, símbolo do martírio estavam representados embora mal sobre todas
divisões da fachada. No desenho que inserimos, cópia fiel do trabalho do sr.
Torquato Pinheiro, vê-se claramente na parte central S. Pantaleão na cruz da oliveira;
no quadro esquerdo em cima uma conversão (?); no de baixo a cura dum
paralítico; no quadro da direita o navio grêgo que o trouxe para Miragaia; e
nas duas extremidades as armas de D. Manoel ( que por engano teem 13 castelos )
e as de D. João II.
Tal era o Cofre de S. Pantaleão que estava situado próximo do
retábolo da Capela - Mõr da Sé e que apezar dos previdentes conselhos escritos,
de D. Diogo de Sousa, aos seus sucessores, desapareceu milagrosamenteda
Catedral durante as lutas civis entre D. Pedro e D. Miguel.
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No princípio do século XVIII a Sé tinha oito Dignidades: Deão,
Chantre, Mestre Escola, Tesoureiro - Mõr, Arcediago do Porto, Arcediago de
Oliveira, Arcediago da Régua, Arcipreste, doze Cónegos, dez Bachareis e quatro
mios Bachareis. O Deão tinha duas conesias e os frutos a Igreja de Sovereira
que lhe rendiam dois mil e tantos crussados. O Chantre tinha tambem duas
conesias assim como o Mestre - Escola, Arcediago de Oliveira, Arcediago da
Régua, Arcipreste, que rendiam mil crussados cada. O Tesoureiro- Môr e o
Arcediago do Pôrto apenas tinham uma conesia.
O bispado do Pôrto compreendia então, a cidade, os arredores e as
comercas de a Maia, Penafiel, Sôbre-Tamega e Feira com a soma total de 342
Igrejas Paroquiais.
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O Paço episcopal é dos maiores edifícios do Pôrto, apezar de não
estar acabado. Foi começado e reedificar nos fins do século XVIII pelo Bispo D.
Fr. João Rafael de Mendonça, no mesmo logar onde outrora se encontrava, isto é:
junto á Sé do Pôrto.
O seu majestoso aspecto digno de se admirar torna-se ainda mais
magnífico e interessante quando visto do Douro, à noite: grande, e com uma
enorme quantidade de janelas iluminadas assemelha-se a um monstro de pedras
ardendo interiormente e vomitando chamas.
*
Desde a sua fundação pelo conde D. Henrique e a Rainha D. Terêsa
até á actualidade, a Sé do Pôrto, assim como o Paço Episcopal, tem assistido
aos mais variados factos históricos. Dentro d'ela se teem resolvido casos de
grande influencia na oscilação dos dois pratos da Balança Nacional, o do mal e
o do bem.
Foi na Igreja Catedral que em 1147, o Bispo D. Pedro Pitões
convidou uma armada de crusados que dêra á costa, a juntamente com D. Afonso
Henriques ir tomar a cidade de Lisboa.
Alguns anos mais tarde, pela primeira vez, entravam no Paço
Episcopal cavaleirosarmados e com intenções hostis; eram guerreiros de D.
Sancho I que vinham prender o Bispo D. martinho Rodrigues por causa de êste
orgulhoso prelado não ter ido esperar o Rei ás portas da cidade como era seu
dever. Tempos depois passava-se na Sé do Porto um caso que o Pôrto nunca até
ali tinha presenciado: o Bispo no meio das mais lúgubres pompas lançava o
anatéma sobre o Rei e proferindo as palavras rituais desligava todos os
indivíduos do juramento de fidelidade prestado ao Rei. Desde então as
excomunhões e os interditos sucederam-se e quasi todos os Bispos até ao tempo
de D. Pedro I se serviram constantemente dessas armas espirituais, contra os
monarcas.
Mas a contrabalançar com estes funestissimos acontecimentos outros
houve em seguida que alegraram todo o povo, como por exemplo o consórcio de D.
João I com D. Filipa de Lencastre, na Sé do Pôrto:
" E todo prestes pera aquelle dia, partiore El Rey à quarta
feira , donde pousava, e foyse aos Paços do Bispo, hú pousava a Infante, e á
quinta feira foram as gentes da Cidade juntas em desvairados bandos de jogos, e
danças per todalas praças com muitos trebelhos que faziô. as principaes ruas,
por hú estas festas aviam de ser, todas eram semeadas de desvairadas verduras
& cheiros. El Rey sahio daquelles paços em sima de hú cavallo branco, em
panos douro Realmente vestido & a Rainha em outro tal muy nobremente
guarnida: levavõ nas cabeças coroas muy ricamente obradas, & aljosar de
grâde preço..."..." a gente era tanta, que se nom podiam reger, nem
ordenar; por o espaço, que era pequeno dos paços á Igreja: & assi chegarom
ás portas da Sé, que era dalli muito perto, hú D. Rodrigo Bispo da Cidade já
estava festivalmente em Pontifical revestido esperando com a Cleresia, o qual
os tomou pelas maõs, & demoveo a dizer aquellas palavras: que a Sancta
Igreja mãda, que se digam em tal Sacramento.Entom disse Missa, & prégaçom,
& acabado seu officio tornaram El Rey e a Rainha aos
paços,..."..." Enquanto o espaço de cpmer durou, faziam jogos à vista
de todos os homens, que o hé sabiam fazer; assi como o trepar em cordas, &
tornos de mesa & saltos Real, & outras cousas de sabor; as quaes
acabadas alçaram-se todos, & começaram a dançar: & as donas em seu
bando cantando arredor com grande prazer. El Rey se foy em tanto pera sua
Camara, & depois de cea ao serão o Arcebispo & outros Prelados cô
muitas tochas achesas lhe benzerom a cama daquellas bençoens, que a Igreja pera
tal auto ordenou, & ficando El rey com sua molher, foram-se os outros pera
suas pousadas." Fernão Lopes- Chrón. del Rey D. Joam I, ed. de 1644,
prim.parte.pág.226.
Foi ainda na Sé da Invicta que, muitos anos mais tarde, se
pregaram e se incitaram as primeiras revoltas contra o exacravel e ignominioso
jugo de Castela e foi na verdade, no Pôrto que se originaram os primeiros
tumultos e escaramuças.
CAPÍTULO III
Os Bispos do
Pôrto
Algum tempo depois a igreja é já poderosa. Os seus Bispos tomam
logar entre os grandes senhores, fazem parte do conselho régio e das
assembleias das nações. Os reis com humildade pedem ao Papa autorização para
casar, os imperadores não podem ser coroados senão pelo Sumo Pontífice. É a
Igreja a introduzir-se abusivamente na política dos estados. E os reis iam cedendo
sempre. Em pouco tempo, grande parte da Alemanha, da França e da Itália
pertencia á classe eclesiástica. Os Bispos tinham os mais altos titulos de
nobrêsa, eram condes e duques, possuiam castelos e exércitos; nos seus
territórios faziam as leis com arbitrariedade e exerciam a justiça, eram em fim
senhores feudais e dos mais favorecidos.
Mas se pelo poder material eles eram temidos e respeitados, outro
havia que todos os povos mais receavam em virtude de o julgarem com maior
importancia: era a excomunhão, o interdito e o mêdo do inferno; em suma, o
poder espiritual. É assim, devido ás penas das " Tartáreas agoas "
que os Bispos e os outros eclesiásticos contavam aos crentes traçando-as com as
suas terriveis côres, que os reis apavorados e com receio da anátema fatal,
enriqueciam a Igreja notoriamente caminhando a largos passos para a sua ruína.
Levados pela ambição de maiores riquêsas, aqueles que as deviam repudiar, os
padres, praticaram excessos vis e chegaram ao mais extraordinário estado
corrupção.
Os Bispos do Pôrto foram no nosso paiz os representantes
desses ambiciosos e desses ignominiosos e indignos do elevado nome que
possuiam. Cobiçosos foram D. Hugo, D. Martinho Pires, D. Martinho Rodrigues,
Julião I, D. Pedro Salvador, D. Vasco Martins, D. Pedro Afonso e D. Afonso
Pires; e infames da peor espécie D. Fr. Estevão, D. Fernando Ramires, seu
sobrinho, e d. Egídio. N'uma palavra, todos os Bispos que ocuparam o palácio
episcopal do Porto durante a primeira dinastia de Portugal foram indignos d'esse
logar, excepto um, um apenas, D. João Gomes " um bom homem sem malícia
" como disse Rodrigo da Cunha.
Porque razão é que esses Bispos foram assim ambiciosos? Seriam
movidos pela índole? É de crer que sim, e é de crer também que essa louca
ambição fosse proveniente do poder que eles tinham e que uma Rainha, D. Teresa,
insensatamente lhes havia dado. Sim! Os Bispos enquanto possuiram o Castelo do
Pôrto lutaram com extrema audácia contra os reis e quando vencidos logo
lançavam sobre o monarca a excomunhão e o interdito. Mas os prelados da Invicta
sabiam bem que o soberano quando sentia os passos da Morte, levado pelas ideas
da época, os chamava e lhes dava tudo o que quizessem contanto que lhe
levantassem o anátema evitando-os assim de irem sofrer para o reino de Plutão o
castigo do que no mundo haviam praticado...Era o apogeu da Igreja no nosso
paiz. E a deposição do rei D. Sancho I é uma das mais flagrantes provas desse
poder clerical.
Mas passados lustros, os povos foram perdendo o mêdo da excomunhão
e o Bispo, vendo ser inuteis as armas espirituais dedicaram-se ao que sempre se
deviam ter consagrado; construiram mosteiros, igrejas, etc,fizeram reformas nas
obras já prontas, em fim, chegaram ao ponto donde tinham por obrigação ter
partido. Foi quasi o que fizeram os do Pôrto, quasi por, que no seu sangue
pulsava ainda o germen da discórdia e da cúbiça.
Segundo o " Catálogo dos Bispos do Pôrto " de Rodrigo da
Cunha foram, desde a fundação, 61 os Bispos da Diocese portuense:
Basilio - Santo e Martir. Foi discipulo de S. Tiago e condiscípulo
de S. Pedro de Rates. Em honra dêste diz-se ter erigido a Igreja de S.Pedro de
Miragaia que é das mais antigas do Bispado do Pôrto.
Arisberto
Timotheo - que
parece ter tomado parte no Concílio de Braga no século VI;
Constâncio - segundo o padre Rebelo da Costa teria sido êste o
primeiro Bispo do Pôrto e portanto o instituidor da Diocese;
Argiovitro - Argeberto - Ansíullo - Uzibelo - Flávio - Froarico-
Felis - Gumeado - Froalengo e Hermógio - todos estes prelados tiveram pouca importancia;
D. Sesnando - um dos chefes da armada de Gascões que desembarcou
no Douro;
D. Hugo - de origem francêsa foi muito estimado pelo Conde D.
Henrique e a Rainha D. Terêsa. Foi o primeiro senhor do Castelo do Pôrt a
que deu foral;
D. João Peculiar I - que mais tarde foi Arcebispo de Braga;
D. Pedro I - de
grande valor;
D. Pedro Pitões II - D. Pedro Senior III e D. Fernando Martins I -
pouco conhecidos;
D. Martinho Pires I ( de 1185 a 1189 ) foi com este Bispo que se
começaram as lutas entre o rei e o clero;
D. Martinho Rodrigues II - quando o principe D. Afonso ( mais tarde
Afonso II ) casou foi este o único prelado português que não compareceu e declarou
ser esse casamento ilegal. Quando o rei foi ao Pôrto, D. Martinho não o foi
receber. Era a guerra declarada. Irritado, o Monarca mandou-o prender.
Logo a excomunhão foi lançada sobre o rei. D. Martinho era enérgico mas D.
Sancho I ainda mais e só á hora da Morte foi levantado o anátema, depois de
audaciosamente defrontar as iras pontifícias.
D. Julião I
D. Pedro Salvador IV - um dos fundadores do Convento de S.
Domingos;
D. Julião II -
Dom Vicente - D. Sancho Pires e D. Giraldo Domingues
D. Fr. Estevão - foi Religioso de S. Francisco dos menores e Bispo
de Lisboa, Valido do Rei D. Dinis ele espalhou a discórdia na côrte e
principalmente entre o monarca e o infante D. Afonso.
D. Fernando
Ramires II - sobrinho do precedente ele foi o seu acólito;
D. João Gomes II
- foi este por certo o mais honrado dos Bispos do Pôrto;
D. Vasco Martins
D. Pedro Afonso V - pôde-se dizer que foi com este Bispo que
começou o interdito que só veio a acabar com D. Gil;
D. Afonso Pires
- êste prelado continuou a luta contra a realêsa;
D. Egídio - chicoteado por D. Pedro I em virtude dos seus amores
de mancebia;
D. João III
D. João de
Azambuja IV - foi Arcebispo de Lisboa e Cardeal;
D, Gil - D. João
Afonso AranhaV
D. Fernando da Guerra III - foi quem lançou a primeira pedra para
a fundação da Igreja do Convento de Santa Clara. Mais tarde foi Arcebispo de
Braga;
D.Vasco II - D. Antão Martins de Chaves - D. Gonçaleanes de Óbidos
- D. Luiz Pires - D. João de Azevedo VI
D. Diogo de
Sousa I - que foi Arcebispo de Braga;
D. Diogo da
Costa II - D. Pedro da Costa VI
D. Fr. Baltesar Limpo - religioso das Carmelitas Caldas que depois
foi Arcebispo de Braga;
D. Rodrigo Pinheiro I - foi um dos fundadores do Colegio de S. Lourenço
dos Padres da Companhia de Jesus;
D. Ayres da
Silva - Dom Simão Pereira de Sá
D. Fr Marcos de Lisboa - foi Religiosos da Ordem de S. Francisco.
Morreu em 1591;
D. Jerónimo de
Meneses
D. Fr. Gonçalo de Moraes - Religioso da Ordem de S. Bento e grande
reformador da Sé do Porto;
D. Rodrigo da Cunha II - autor do " Catálogo da vida dos
Bispos do Pôrto ";
D. Nicolau Monteiro - foi prior da Colegiada de Cedofeita e Mestre
dos Reis, nasceu n'esta cidade;
.....rreia de Lacerda - que renunciou ao bispado em favor de
....Sousa IV, que também foi Arcebispo de Braga;
..... de Saldanha - religioso Capucho da Provincia de santo
António; foi Bispo da Madeira e fundou, no logar do Calvário, o Mosteiro de
Santa Terêsa.
Neste relatório dos Bispos do Pôrto estão incluidos os que
ocuparam esse elevado cargo, até ao princípio do século XVIII.
(Nota: a última página do manuscrito encontra-se danificada no
canto superior esquerdo, pelo que afecta o início das linhas 2,3,4,9 e
10 ).
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